PAIVA, V.L.M.O.A pesquisa sobre interação e aprendizagem de línguas mediadas pelo computador.Calidoscópio. São Leopoldo.v. 3, n.1, p.5-12, jan/abr. 2005.
A PESQUISA SOBRE INTERAÇÃO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS MEDIADAS PELO COMPUTADOR
A
major challenge for the on-line researcher is to move from meeting people ‘in
the flesh’ in the real world to working in the insubstantiality of the virtue
venue. (Mann
& Stewart,2000:194)
Este texto traz reflexões sobre a pesquisa no campo da interação e da aprendizagem de línguas mediadas pelo computador e apresenta um levantamento de investigações, no Brasil e no exterior, com foco nos métodos de pesquisa. Através desse mapeamento, são identificados os instrumentos que têm sido mais utilizados para se estudarem os temas recorrentes, tais como o impacto das novas tecnologias na aprendizagem de línguas no ambiente virtual; a interação on-line; a elaboração e a avaliação de materiais didáticos. É feita ainda uma reflexão sobre a adaptação dos métodos de pesquisa tradicionais para o contexto digital e sobre a ausência de uma base teórica específica para as pesquisas da área.
Palavras-chave: pesquisa; interação on-line; aprendizagem de línguas em ambiente digital
This paper presents a discussion on computer
assisted language learning and online interaction in an attempt to identify the
research methods which have been used for investigations carried out in
Key words: research; online interaction;
computer assited language learning
É crescente o interesse dos pesquisadores pela
interação e a aprendizagem de línguas mediadas pelo computador. Esse interesse
se revela na crescente produção de dissertações e teses nos programas de
pós-graduação, tanto em estudos lingüísticos quanto em lingüística aplicada. No
Programa de Pós-graduação em Estudos Lingüísticos da UFMG, para nos limitarmos
a um exemplo apenas, já foram conduzidas as seguintes pesquisas: A colaboração
on-line como subsídio para o desenvolvimento profissional de professores de
línguas; A Internet como ferramenta auxiliar em sala de aula de língua inglesa:
percepções de duas professoras; O “chat” em língua
inglesa: interações nas fronteiras da oralidade e da escrita; Concepções sobre
leitura e suas implicações práticas encontradas na elaboração de um curso
on-line; Leitura em ambiente multimídia e a produção de inferência; Mecanismos
de edição e de auto-edição interacional: mal
entendido e reparo na interação via e-mail em contexto educacional;
Aprendizagem de línguas em Tandem: estudo da telecolaboração através da comunicação mediada pelo
computador; Leitura em ambiente multimídia: a produção de inferências por parte
do leitor a partir da compreensão de hipertextos; Internet: novas perspectivas
no ensino/aprendizagem de francês língua estrangeira;
Percepção de aprendizes da primeira série do ensino médio sobre a integração da
internet à sala de aula de inglês: um estudo de caso;
Aprendizagem de Línguas em Regime de Tandem via
E-mail: colaboração, autonomia e estratégias sociais e de compensação;
Aprendizagem de Língua inglesa via Internet: estratégias de aprendizagem e
manifestações da autonomia do aprendiz; A construção do CiberProfessor
para o Ensino de Língua Estrangeira: qual a distância entre a teoria e a
prática?; Do quadro de giz para a tela do computador.
A Internet é um excelente instrumento para coleta de dados e, como lembram os sociólogos Mann e Stewart (2002, p. 5), citando Walther (1999, p.1), “a pesquisa na Internet não se restringe ao estudo do comportamento on-line (o que as pessoas fazem em ambientes virtuais e mediados), mas inclui também ferramentas próprias e seus usuários para se estudar o comportamento humano em geral.”[1]
Para exemplificar este último caso, os autores citam pesquisas, cujos dados foram coletados através da comunicação mediada pelo computador (CMC), minimizando restrições de tempo, espaço e dinheiro. Esses estudos foram feitos com participantes em diferentes continentes, possibilitando aos pesquisadores ouvir as vozes de pessoas portadoras de necessidades especiais e grupos marginalizados, como pais homossexuais, por exemplo, que tiveram suas identidades preservadas em função do tipo de tecnologia utilizada.
Mann e Stewart se qualificam como pesquisadores qualitativos ativos e têm conduzido, com sucesso, projetos de pesquisa em longa escala, utilizando CMC para a coleta de dados. Mann foi responsável por uma investigação, na Universidade de Cambridge, sobre experiências sociais e acadêmicas de duzentos graduandos. Em vez de encontrá-los face a face, optou por entrevistas semi-estruturadas on-line e diários on-line. Os autores relatam também que Stewart, em parceria com Eckerman, conduziu um estudo sobre percepções sobre riscos de vida utilizando grupos focais on-line e teve como participantes jovens nas Ilhas Fiji, China, Austrália e Malásia. Tal abrangência só foi possível graças à interação via Internet.
A CMC possibilita coleta de dados de forma rápida e econômica, pois podemos reunir, em pouco tempo, uma grande quantidade de informações, englobando muitos informantes ou participantes. No entanto, se, por um lado, vencemos barreiras de tempo e espaço, nem sempre temos o retorno esperado. É comum que muitas pessoas contatadas não respondam, especialmente, quando o pedido é feito em listas de discussão com grande número de pessoas desconhecidas e, por isso mesmo, sem compromisso de colaborar com o outro e sem risco de receber cobrança pessoal. Isso não quer dizer, entretanto, que a coleta de dados na forma tradicional seja sempre uma tarefa bem sucedida e sem problemas. Não há como negar, no entanto, que o universo pesquisado fica muito mais restrito quando a coleta é face a face.
O anonimato possibilitado pela Internet é outro aspecto que apresenta dois lados da mesma moeda. Por um lado, faz com que as pessoas contribuam de forma mais espontânea, principalmente quando confrontadas com perguntas embaraçosas e que seriam constrangedoras em interações face a face. Por outro lado, em alguns contextos, não temos certeza, sequer, sobre o gênero da pessoa com a qual estamos interagindo em salas de chat ou ambientes de web board ou fórum, por exemplo. Assim, esse “eu virtual” pode ser uma dificuldade para a confiabilidade dos dados, pois identidades são escamoteadas ou projetadas quando interagimos com o outro, com maior ênfase quando estamos mediados pelo computador.
Mann e Stweart
(2000, p. 22) acreditam que a coleta de dados com ferramentas da Internet
elimina a possibilidade de transcrições tendenciosas, pois substitui a
paráfrase ou sumários das falas dos participantes pelo pesquisador. Além disso,
os autores lembram que é caro pagar pelas transcrições (quando esta é a opção),
pois demandam muito tempo para serem realizadas. Acrescentam ainda que as
entrevistas digitais são verbatim e nada é
deixado de fora.
Outras vantagens dos dados coletados digitalmente são: a possibilidade de transformação de dados digitais textuais em arquivos de som ou vice-versa e em texto impresso; a facilidade na manipulação de muitos dados através de palavras-chave, contagens de palavras, classificações, inserção de comentários, etc; e a facilidade de armazenamento e de transferência de dados.
Mann & Stewart (2002, p.189) indagam se CMC é um modo eficaz de pesquisa e eles mesmos respondem, dizendo que a CMC tem a vantagem de congregar traços da linguagem oral e da linguagem escrita, possibilitando o acesso aos significados no nível do envolvimento interpessoal (associado à interação oral) e a expansão do pensamento (associado à modalidade escrita).
No entanto, Paccagnella (1997:10) adverte que “não é seguro considerar esses dados como um tipo de realidade objetiva congelada pelo computador. As mensagens arquivadas e os registros são representações do fenômeno on-line na percepção dos participantes”. Ele lembra, ainda, que “esses registros ignoram as experiências reais dos participantes em seus próprios teclados, em suas casas, em várias partes do mundo”.
O meu interesse, neste trabalho, é ver como estão sendo conduzidas as pesquisas que investigam os comportamentos on-line em contextos de interação ou de aprendizagem mediadas pelo computador. Pretendo verificar se novos conceitos e categorias de análise surgiram ou se os pesquisadores continuam recorrendo aos construtos dos ambientes presenciais.
Os pesquisadores na área de línguas têm utilizado em suas investigações, tanto em trabalhos sobre interação quanto sobre aprendizagem, teorias geradas por dados empíricos de contextos face a face, tais como a análise conversacional, a lingüística textual, e vertentes diversas da análise do discurso. Até o momento, não foi feita nenhuma avaliação da pertinência desses suportes teóricos.
Levy (2000, p.184) levanta uma questão relevante em relação às pesquisas descritivas que têm como ponto de partida os arcabouços da pesquisa de fenômenos face a face. Segundo o autor, até podemos recorrer aos instrumentos da pesquisa sobre interação face a face, mas nos aconselha a ter cautela com os mesmos, pois eles podem ser inadequados devido ao surgimento de novos fenômenos. Para exemplificar, ele traz o exemplo do chat:
Considere as qualidades específicas do chat na Internet comparada com a conversa face a face. Na sala de chat, são necessárias as habilidades de digitação e a conversacional simultaneamente, mas a interação é escrita. Como a habilidade de digitação varia muito, há uma tendência de alta tolerância aos erros no chat. Os usuários devem ter também habilidades conversacionais. Os turnos são estritamente seqüenciais – não há sobreposições – e as respostas podem aparecer separadas das perguntas com as quais se relacionam. A compreensão da leitura é o ponto crítico e não as habilidades de compreensão oral. A ‘conversa’ que resulta desse ambiente tem seu próprio ritmo e sua própria dinâmica, que são muito diferentes da conversa face a face. Há muitas variáveis em jogo e a pesquisa atual apenas arranha a superfície.
Levy tem razão ao suspeitar que as categorias já estabelecidas para a análise das interações face a face não sejam totalmente adequadas. A interação no ambiente digital, mesmo guardando semelhanças com a conversa face a face, apresenta muitas diferenças. Ele afirma, por exemplo, que não ocorrem sobreposições nas interações virtuais. No entanto, mesmo sentindo falta de uma terminologia melhor, considero que, no ambiente digital, temos fenômenos semelhantes. Cito como exemplo, o fato de pessoas digitarem seus ‘enunciados’ ao mesmo tempo, ou, ainda, atrasos na publicação desses enunciados, devido a características da própria máquina que interfere na organização textual. Esses textos, quando aparecem na tela, nem sempre guardam relação icônica com os tempos de produção dos enunciados. Enfim, é necessário, observar esse e outros fenômenos mais de perto e entender o que está acontecendo a partir deles mesmos e não através de categorias já postas, mesmo sendo elas bons pontos de partida. É necessário investigar se o que acontece na CMC é semelhante à interação face a face ou se existem outros tipos de fenômenos que não podem ser compreendidos pelas categorias pré-existentes.
A pesquisa etnográfica virtual ou a etnotecnologia
Se queremos investigar as várias situações de CMC, uma pergunta relevante seria “o que está acontecendo aqui?”, pergunta típica das pesquisas de orientação etnográfica.
Na pesquisa etnografia clássica, o pesquisador se integra à comunidade pesquisada durante um bom período, Ele observa o que está acontecendo, faz perguntas e coleta todos os tipos de dados possíveis. Seria esse tipo de investigação apropriada ao ambiente virtual? Hine (1998) assegura que sim ao ver a Internet como um contexto social e ao mesmo tempo como um artefato cultural. Ela propõe investigar não somente “como as pessoas usam a Internet, mas também as práticas que tornam aqueles usos da Internet significativos em contextos locais”. Hine afirma que a Internet proporciona conexões complexas e permite ao etnógrafo transitar por vários contextos culturais. Segundo ela, “a idéia de uma etnografia em sites múltiplos é, certamente, provocativa para um estudo de uma tecnologia ubíqua como a Internet” (p. 5). Ao denominar esse tipo de pesquisa de “etnografia virtual”, Hine atribui ao termo virtual vários significados: incerteza em relação a tempo, espaço e presença e um certo sentido de incompletude, ou seja, do “quase” em oposição ao estritamente “real”.
Guribe e Wasson (2002) também discutem a etnografia em contextos híbridos para investigar as práticas do uso das tecnologias em organizações e como as características do sistema ajudam ou atrapalham o que as pessoas fazem. Os autores chamam a atenção para dois aspectos importantes a serem considerados nas pesquisas etnográficas em ambientes virtuais de aprendizagem: o contexto como sendo composto do que ocorre on-line e off-line e a tecnologia em ação, ou seja, o conjunto de ferramentas, configurações, e limitações do sistema.
Como ressalta Mason (1996: p. 4),
a comunidade virtual parece ser o paraíso do
pesquisador que observa sem ser observado. Mesmo assim, é preciso estar atento
para o fato de que muitos membros de um grupo de discussão estão também se
comunicando por e-mail privado. Observar equivale a ficar parado em um espaço
público: pode-se ver o comportamento cotidiano, mas perdemos o que acontece
atrás das portas.
Tenho que concordar que o ambiente virtual, entendido como conjunto de ferramentas e normas de uso (ex. bloqueio de alguns sites e ferramentas), pode ser impactante na interação assim como em outras situações que acontecem off-line e que fogem à observação do pesquisador.
Nas disciplinas que ministro a distância, por exemplo, é comum os alunos reclamarem de problemas com conexão em alguns horários específicos; da dificuldade de acessar alguns sites por limitações do equipamento; da falta de determinados softwares, de browsers desatualizados; ou de envios mal sucedidos de seus e-mails devido a bloqueios de provedoras. Esse último problema, geralmente, ocorre em função de uma política de proteção contra spams (mensagens indesejáveis) que acaba barrando qualquer mensagem originária de provedoras de onde teriam originado os supostos spams. Outros alunos mudam o endereço eletrônico e se esquecem de avisar a secretaria do curso que, por sua vez, repassa ao professor um endereço desatualizado. Além disso, o professor ou pesquisador não tem acesso às trocas interacionais fora dos grupos por ele criados ou dos eventuais encontros presenciais entre alguns participantes, o que pode significar uma perda de dados significativa. Acostumados à pesquisa em contextos tradicionais, os pesquisadores, geralmente, se lembram de detalhar uma série de fatores, tais como sexo, idade, escolaridade, etc, mas se esquecem de descrever o contexto tecnológico em que o participante da pesquisa está inserido. Uma pergunta surge no caso da etnografia virtual. Como saber o que o aprendiz está fazendo fora dos ambientes virtuais institucionalizados? Como traçar o seu percurso no ciberespaço? Alguns ambientes virtuais oferecem meios para o registro da hora, tempo de conexão, relatórios dos hiperlinks ou páginas do curso percorridas, mas não podem registrar o que os alunos fazem quando salvam as páginas e estudam off-line. Essas e outras questões precisam ser problematizadas quando se pensa em pesquisa etnográfica em ambiente virtual.
Como vimos, têm sido utilizados para esse tipo de pesquisa não apenas arcabouços teóricos da interação e da aprendizagem face a face, mas também instrumentos de coleta típicos daquele contexto. A pesquisa com corpora, talvez seja a única que tem características próprias do meio eletrônico, as demais são semelhantes ou são adaptações de pesquisas em contextos tradicionais, sejam eles educacionais ou não.
Talamo & Ligorio (2002, p.3) aconselham pesquisar o impacto da tecnologia nos pequenos grupos sociais e sobre suas potencialidade e limites que denominam de etnotecnologia. Segundo elas, o termo foi proposto por Gaudin (1978, 1988)[2] que identificou um descompasso entre o uso das tecnologias e as funções desenvolvidas por seus criadores. Etnotecnologia é definida como “o estudo do uso concreto das soluções tecnológicas” (Tálamo e Ligorio, 2002, p. 6) e, citando (Orlikowski and Yates, 1994), as autoras acrescentam que “ do ponto de vista cultural, toda forma de comunicação envolve todos os participantes em um processo situado, interpretativo e coletivo de significados compartilhados”.
Pode-se concluir, pois, que a etnotecnologia pode nos revelar, entre outras coisas, como as tecnologias são exploradas, que potencialidades são ignoradas, e ainda que adaptações são feitas pelos usuários. Talamo e Ligório (2002: p. 7) afirmam que:
A etnotecnologia, e os métodos etnos permitem a reconstrução de uma descrição “êmica” dos significados que os usuários conferem à lógica do uso das ferramentas propostas. Por esse ponto de vista, os métodos etnos são, certamente, úteis para descrever, de forma ecológica, o contexto da forma como é percebido e definido pelos participantes.[3]
Dar a voz aos usuários é, pois, um método que nos permite compreender melhor o que está acontecendo no mundo virtual. Através da Internet, é possível investigar esses contextos, utilizando instrumentos de coleta de dados já conhecidos e agregando a eles as facilidades da rapidez e da assincronia. Alguns desses instrumentos são:
1. entrevistas estruturadas via e-mail ou formulários na web;
2. levantamentos de opinião, geralmente, preservando o anonimato;
3. grupos focais em tempo real ou assíncronos;
4. utilização de bancos de dados;
5. acesso a corpora diversos;
6. observação de interações mediadas por diversos ambientes (chat; lista de discussão; fórum; ICQ; vídeo-conferência, voice e-mail);
7. observação de desempenhos e comportamentos em ambiente virtual;
8. entradas de diários on-line pedagógicos ou pessoais (blogs);
9. coleta de relatos diversos (ex. narrativas sobre aprendizagem)
Com a finalidade de fazer um inventário dos instrumentos de investigação na pesquisa sobre interação e aprendizagem mediada por computador, fiz uma análise dos resumos dos trabalhos de três eventos: 70 resumos dos estudos apresentados no CALICO[4] em 2002; uma amostra de 84 resumos dos 187 trabalhos constantes do programa do II WorldCALL (Congresso Mundial de Aprendizagem de Línguas Mediada por Computador) realizado em maio de 2003, e os 24 trabalhos inscritos nos dois simpósios sobre Pesquisa em Ensino e Aprendizagem Mediados por Novas Tecnologias do 13º INPLA, em 2003.
Nos programas dos três eventos, é rara à menção explícita à metodologia e a instrumentos de coleta de dados, o que não quer dizer que não há metodologia. Em muitos casos não é difícil inferir qual é a metodologia, ou, pelo menos, se se insere no paradigma quantitativo ou qualitativo.
CALICO
No CALICO (http://calico.org/CALICO02/), uma leitura dos 70 resumos revela que predominam os trabalhos descritivos, envolvendo apresentação e/ou avaliação de cursos ou projetos de ensino. Percebe-se que a metodologia qualitativa, apesar de a maioria dos resumos não indicar a metodologia, está presente na quase totalidade das pesquisas relatadas.
A metodologia foi explicitada em poucos casos: 7 experimentos, 2 pesquisas-ação, 2 estudos de caso, 1 survey. Houve algumas poucas referências a instrumentos de coleta de dados, com uma menção a cada um dos seguintes tipos: entrevista, questionários e dados estatísticos.
Os experimentos investigam aprendizagem de vocabulário; uso pedagógico de videoconferência em francês e japonês para alunos avançados; comparação de 3 ambientes virtuais (apenas música, musica e explicações na língua alvo; e musica combinada com explicações na língua nativa); comparação de atitudes em cursos de espanhol com e sem encontros virtuais; comparação de grupos para avaliar a importância real da metacognição para aprendizes de inglês como L2; leitura em francês com e sem audição do texto; leitura on-line com e sem glossário.
A primeira pesquisa-ação é um estudo contrastivo sobre a atitude de alunos universitários a respeito de ferramentas multimídia e impressas em termo de estilos de aprendizagem e preferências de ensino aprendizagem e desempenho lingüístico; a segunda examina os efeitos do uso de ferramenta para verificar aspectos gramaticais em curso avançado de escrita em francês.
Quanto aos estudos de caso, o primeiro apresenta uma avaliação de cursos avançados de chinês e coreano na WEB, e o segundo investiga o efeito de hábitos de leitura quando os leitores lidam com hipertextos, além de verificar que estratégias os participantes utilizam quando lêem material impresso e hipertextos.
O survey levanta opiniões de usuários de website não comercial com exercícios de gramática em espanhol contrastadas com 4 grupos de controle de estudantes universitários de espanhol.
Encontrei também um trabalho que fazia referência explícita à análise do discurso – investigação de características interacionais em uma comunidade bilíngüe de aprendizes de nível intermediário de Inglês e de espanhol – e outro se propondo a apresentar uma análise de aproximadamente 10.000 anúncios de oferta de trabalho que requerem habilidades tecnológicas.
Dois grandes grupos se caracterizam por serem trabalhos descritivos e/ou demonstrativos. O maior deles apresenta planejamentos e descrições de cursos, exercícios e ambientes virtuais de aprendizagem, incluindo ainda o comportamento de usuários de softwares e de aprendizes em ambiente virtual. Alguns exemplos são: projetos de aprendizagem na modalidade tandem; ambientes de imersão; desenvolvimento de habilidades de comunicação on-line; utilização de Internet e de vídeo-conferência; integração de tecnologia no ensino de cultura; avaliação on-line; desenvolvimento de comunidades colaborativas. O outro conjunto considerável de trabalhos reúne pesquisas que descrevem ou avaliam ferramentas e softwares diversos, alguns nitidamente comerciais e outros com foco na utilização de ferramentas. Dentre eles, destaco ferramentas de autoria, tutores inteligentes; mini labs virtuais; software de reconhecimento de voz, ferramentas para criação de textos animados, verificador de gramática, transcrições de fala; software para desenvolver mapas conceituais.
Finalmente, alguns poucos trabalhos podem ser classificados como reflexões. Sob o título de Proving IT Works, Jack Burston propõe, em seu resumo, que “devemos ampliar a nossa visão da avaliação da tecnologia da informação e ir além das promoções e justificativas defensivas” e conclui que o foco deve ser “como a tecnologia da informação contribui para a realização de objetivos e metas pedagógicas.”[5] Outros trabalhos incluem: proposta de investigar em ambiente virtual questões de aquisição de segunda língua já investigadas na sala de aula convencional; reflexões sobre interações on-line; reflexões sobre o uso da tecnologia ; e discussões sobre as mudanças geradas pela tecnologia.
WORLDCALL
No II WORLDCALL, há também poucas menções explícitas à metodologia e a instrumentos de coleta. Foram mencionados 3 experimentos, 4 estudos de caso, 3 pesquisas-ação, 4 trabalhos envolvendo análise do discurso e 1 survey. Nos 84 primeiros resumos do programa do II WORLDCALL (2003), foram citados os seguintes instrumentos de coleta de dados: observação de aula, notas de campo, questionários, entrevistas, e retrospecção. Os trabalhos inscritos nesse evento seguem a mesma tendência do evento anterior.
Nos experimentos, encontramos uma análise quantitativa de como os alunos usam um programa de computador que dá feedback a erros, um estudo sobre o uso de dicionário eletrônico e outro sobre simulação de diálogos.
Os estudos de caso investigam: a reação de alunos em conferência por voz assíncrona; um estudo da tecnologia e reforma curricular na China; exame de progresso de alunos antes, durante e após a implementação de um software; e o planejamento e implementação de ambiente de ensino de língua on-line.
O grupo da pesquisa-ação inclui um projeto de interação intercultural entre estudantes australianos e alemães aprendendo alemão e inglês, respectivamente; avaliação de ambiente de aprendizagem; e a implementação de um programa de ensino de línguas mediado por computador.
Os 4 trabalhos utilizando a análise do discurso pesquisam as mudanças de convenções lingüísticas em chat; a construção de contextos em discussões on-line; alternâncias de código em correspondências por e-mail em três diferentes níveis lingüísticos; e a identidade on-line, uma análise quantitativa e qualitativa de discussões e entrevistas on-line.
Nesse evento, assim como no CALICO 2002, há dois grupos predominantes: o de descrição/avaliação de curso/projetos de aprendizagem e de materiais e atividades para aprendizagem; e o de demonstração e avaliação de software e uso de tecnologia. Neste último, podemos incluir um grupo um pouco menor, mas também muito representativo, que descreve e/ou avalia ambientes virtuais de aprendizagem.
No primeiro grupo, há uma diversidade de projetos de ensino de várias línguas: como usar recursos de rede para criar ambientes de sala de aula virtual para melhorar as quatro principais habilidades; estudo piloto de ensino de japonês on-line; projetos de ensino com apenas um computador em sala de aula; letramento digital; exercícios interativos; material para surdos; comunicação transcultural, aprendizagem colaborativa; cursos de leitura; avaliação de material didático; cursos híbridos; desvantagens do uso da Internet no ensino de línguas, etc.
No segundo grupo, temos avaliações de sites; demonstração de softwares para avaliação de desempenho oral; uso de áudio-conferência; transmissão e conservação de áudio, vídeo, imagens e textos em ambientes de multi-plataforma; programa para ensinar tempo verbal; sistema para análise de traduções; software para desenvolver exercícios; e apresentação de diversos ambientes de aprendizagem e programas de autoria tais como “Virtual Encounters”; “Call Authoring Shell”; “Well”; e “Disseminate”.
Há também um grupo de trabalhos analisando as percepções e atitudes em relação à tecnologia. Nesse grupo, incluo o survey que, através de 52 itens, investigou até que ponto os professores de língua estão incorporando a tecnologia e qual é a atitude desses professores em relação ao uso de computadores; e outras reflexões sobre o uso de tecnologia através de exemplos de professores bem sucedidos.
Encontrei, também, reflexões sobre a própria pesquisa: o tema do trabalho era a pesquisa sobre aquisição de segunda língua, iluminando a avaliação de ambientes de aprendizagem e o desenvolvimento de métodos e ferramentas. Outro trabalho ressaltava a necessidade de uma taxonomia que liste os eventos constitutivos de seqüências interacionais, unidade ideal de análise nas interações on-line, para dar suporte ao desenvolvimento de ferramentas e métodos de análise de localizadores (tracking) de dados que possam ser usados em várias pesquisas.
Finalmente, uma pesquisa bibliográfica relata os desenvolvimentos importantes na área de aprendizagem de línguas mediada por computador nos últimos 15 anos e outra, empírica, faz uma classificação e avaliação de programas multimídia.
Do INPLA 2003, analisei 24 resumos que foram apresentados em dois simpósios. Houve menção explícita à metodologia em 4 textos: um estudo de caso (integração do computador á uma sala de aula de língua inglesa de sétima série) e 3 pesquisas de base etnográfica (estudo de weblogs; evasão; e uso de listas de discussão).
Vários instrumentos de coleta foram citados: mensagens de listas de discussão, entrevistas (informal, gravadas em áudio), registro em vídeo, notas de campo, diário da moderadora, auto-relato, observação anotada, questionário pós-tarefa, protocolos verbais.
Os trabalhos foram assim reunidos pelos organizadores: interação e interatividade em EAD; ferramentas assíncronas em EAD; autonomia e motivação; desafios do contexto digital para EAD; Ensino e mediação em EAD; colaboração e negociação; chats educacionais; metodologia de pesquisa em EAD. No entanto, como nos dois eventos internacionais, eles poderiam ser, também, divididos em demonstrações de materiais ou descrições de cursos, percepções e comportamentos de professores e aprendizes, e reflexões sobre as novas tecnologias e o ensino.
Nos dois simpósios, predominam estudos sobre cursos e materiais didáticos: feedback automático, usabilidade de material didático; estratégias de andaimes em ambientes presenciais e a distância; avaliação de material para leitura; efeito da presença/ausência do professor na interação do aluno com o material; desempenho de alunos em chats educacionais; experiências na coleta de dados em meio virtual; evasão; listas de discussão; uso de fórum; construção do processo de moderar; interação no ensino a distância; letramento digital; reflexões e impressões de alunos e professores on-line.
Além desses temas, três trabalhos focam aspectos mais técnicos: implementação de sistemas educacionais; um software para análise de mensagens em listas de discussão; e outro direcionado para a integração de análise de dados qualitativa e quantitativa de textos e imagens.
A análise desses resumos revela uma predominância de relatos de experiências, ensaios e reflexões sobre novas tecnologias sem, necessariamente, apresentar uma pergunta de pesquisa ou explicitar a metodologia. A maioria dos trabalhos apresenta descrições de cursos ou materiais didáticos.
CONCLUSÃO
Podemos afirmar que, no estado atual da pesquisa sobre interação e aprendizagem de línguas mediadas por computador, não encontramos nem novos conceitos e nem novas categorias de análise. Há uma predominância da pesquisa empírica, ou seja, predominam trabalhos que observam e refletem sobre a “realidade” observada em contextos mediados pelo computador, geralmente comparados a teorias de como fenômenos semelhantes funcionam em contextos presenciais. Não há uma preocupação com generalizações, pois quase todas as pesquisas são estudos de caso.
Os instrumentos de coleta de dados que conseguimos identificar foram: auto-relato, dados estatísticos, diário da moderadora, entrevistas, notas de campo, observação anotada, observação de aula, protocolos verbais, questionários, questionário pós-tarefa, registro em vídeo, e retrospecção.
Percebe-se a ausência de teorias e metodologias próprias, pois ambas são tomadas de empréstimo a trabalhos sobre interação face a face ou pesquisas em contextos de ensino tradicional. Considero essencial pensar em novas unidades de análise e novos construtos, pois, ao recorrermos às mesmas categorias e arcabouços teóricos utilizados para a análise das interações face a face e da sala de aula tradicional, podemos estar perdendo aspectos típicos dos novos ambientes.
Como os eventos analisados se caracterizam por reunir temas voltados para o ensino/aprendizagem de línguas, não encontramos referência a trabalhos que investiguem a natureza das interações em ambientes virtuais fora daquele contexto. Não foram encontrados também estudos sobre os gêneros digitais que surgiram e continuam se multiplicando com a criação de novas ferramentas.
Seria relevante levar a pesquisa além dos contextos educacionais, investigando o comportamento lingüístico de usuários da Internet na utilização das várias ferramentas, em contextos de trabalho, por exemplo.
Nos contextos educacionais brasileiros, já foram feitas várias pesquisas contemplando descrições de cursos, análise de materiais e ambientes virtuais, análise das potencialidades da web, descrição de interações mediadas por computador, e levantamento de percepções de professores e aprendizes no ensino básico e superior. No entanto, observa-se que, apesar do aumento de investigações nessa área, poucas pesquisas se preocuparam com evidências de aprendizagem. Além disso, ainda estamos muito dependentes de construtos e metodologia de interação face a face e de aprendizagem em contextos de sala de aula tradicional.
Chapelle (2001, p. 83-84) afirma que é necessário investigar níveis de dificuldades e diferenças individuais e ressalta que essa seria uma linha de pesquisa importante dadas as variedades de condições para a execução das tarefas que a aprendizagem mediada por computador pode construir para os indivíduos.
De fato, o ambiente virtual, sem limitações de espaço e tempo, cria inúmeros contextos e propicia diversas formas de interação, mas, como lembra Peyton (1999, p.22), também apresenta enormes desafios para professores e estudantes. A pesquisa na área vem tentando desvendar alguns desses desafios, como, por exemplo, “novas convenções e novas condições para participação efetiva nestas novas formas de comunicação” (Johnston, 1999, p. 64); dificuldades de contextualização (Bradin, 1999); necessidade de novas formas de avaliação (Chão, 1999); diferenças individuais (Soo, 1999; Chapelle, 2001); technophobia (Johnston, 1999), questões relativas à autonomia (Healey, 1999), novas formas de feedback (Paiva, 2003); interação, motivação, experiências docentes, ferramentas para desenvolvimento de cursos, design e implementação de cursos (Collins e Ferreia, 2004), para mencionar apenas alguns.
Observa-se, porém, uma lacuna quanto às investigações sobre evidências de aprendizagem. Esse é um dos desafios aos pesquisadores da área, além da necessidade de pensarmos em conceitos e categorias que sejam adequados a esses novos contextos de interação e de aprendizagem.
Finalmente, considero que a etnografia virtual parece ser uma metodologia promissora, mas não podemos perder de vista as questões éticas. A facilidade que o ambiente virtual nos propicia para infiltramos em uma comunidade de forma a conduzir uma pesquisa sistemática e detalhada não nos exime de pedir permissão aos participantes virtuais e de protegê-los em nossos relatos. Essa proteção, como aconselha Paccagnella (1997: p. 17), envolve respeitar a privacidade da realidade social do ciberespaço, mudando não apenas os nomes dos participantes, mas, também, pseudônimos (quando usados), endereços e logins.
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[1] Todas as citações em língua estrangeira foram traduzidas por mim.
[2] Gaudin, T. L’écoute
des silences [Listening to silences]. Paris: Union Générale
d’Editions, 1978.
Gaudin, T. Les Métamorphoses
du future [Metamorphoses of the future]. Paris: Editions Economica, 1988.
[3] Minha tradução de “The ethnotechnology,
and ethno methods allow the re-construction of an “emic”
description of the meanings that users ascribe to the logic of usage of
proposed tools. From this point of view, ethno methods are certainly useful to
describe in an ecologic way the context as the participants are perceiving and
defining it.”
[4] CALICO (Computer Assisted Language Instruction Consortium) é uma organização profissional, sem fins lucrativos, que congrega pessoas envolvidas em educação e alta tecnologia. Sua ênfase é em ensino e aprendizagem de línguas modernas, mas inclui todas as áreas que usam as línguas para instrução e aprendizagem.
[5] Minha tradução de “we need to take a broader view of the
assessment of IT, one which goes beyond its defensive justification and
promotion (…) “one which focuses on how IT contributes to realizing our
pedagogical goals and objectives.”