PAIVA, V.L.M.O.Como se aprende uma língua estrangeira? In: ANASTÁCIO, E.B.A.; MALHEIROS, M.R.T.L.; FIGLIOLINI, M.C.R. (Orgs). Tendências contemporâneas em Letras. Campo Grande: Editora da UNIDERP, 2005. p. 127-140
COMO SE APRENDE UMA LÍNGUA ESTRANGEIRA?
Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva (UFMG/CNPq)
Neste texto, pretendo demonstrar que a visão predominante, ao longo dos tempos, é a de que se aprende uma língua estrangeira (LE) através da análise de estruturas sintáticas, da memorização de regras gramaticais e de exercícios de tradução. O ensino explícito da gramática sempre foi o carro chefe no ensino de línguas e pouca mudança pode ser observada, mesmo nos dias de hoje. Ou seja, muitas das experiências de ensino e aprendizagem privilegiam o estudo sobre a língua e a manipulação de estruturas sintáticas. A língua é vista apenas como um sistema de regras e não como um instrumento de comunicação.
O primeiro método de ensino de LE, segundo os registros da história do ensino de línguas, é o método de Gramática e Tradução. Segundo Howatt (1984, p. 131), o método foi desenvolvido para escolas secundárias e teve seu início na Prússia, no final do século 18. Ele acrescenta que, apesar de ter sido denominado de Gramática e Tradução, por seus opositores, seu objetivo final não era a tradução, mas a leitura através do estudo da gramática e a aplicação desse conhecimento na interpretação de textos com o apoio de um dicionário.
Cook (2003, p. 31), ao discorrer sobre o método, lembra que o ensino das línguas modernas foi muito influenciado pelo estudo acadêmico das línguas mortas como o grego antigo e o latim. O objetivo era possibilitar o acesso às grandes obras da literatura, no entanto, segundo Cook (2003, p. 32), essa meta estava muito distante da sala de aula, onde a aprendizagem ficava limitada ao ensino de regras gramaticais e listas de palavras com suas respectivas traduções.
Os manuais didáticos, além das listas de palavras e explicações gramaticais, apresentavam exercícios de tradução de língua materna para a estrangeira e vice-versa. Esses exercícios eram compostos por frases a serviço dos tópicos gramaticais de cada lição. Cook faz referência a exemplos absurdos tais como, “The merchant is swimming with the gardner’s son, but the Dutchman has the fine gun” e “plume de ma tante”, que podiam ser encontrados nos manuais daquele método.
A primeira tentativa de se ver a língua como uma capacidade natural compartilhada por todo os homens surgiu com o Método Direto, no século 20. Cook (2003, p. 33) aponta os movimentos migratórios e o comércio internacional como fatores que influenciaram a mudança do perfil dos aprendizes de LE. Surge, assim, impulsionado pela necessidade do ensino das habilidades orais, o Método Direto, cujo objetivo era a comunicação na língua alvo. Para se atingir essa comunicação, o aprendiz deveria associar os significados diretamente com a LE, sem interferência da língua materna. O método se baseava na teoria associacionista da psicologia que advogava que a associação é o princípio básico da atividade mental.
A gramática deveria ser aprendida de forma indutiva, ou seja, através do uso da língua. Os alunos praticavam perguntas e respostas e exercitavam a pronúncia com o objetivo de atingir uma competência semelhante a do nativo. (ver RICHARDS e RODGERS, 1993, e LARSEN-FREMAN, 1998). Na prática, porém, a gramática continuava como foco central, pois os materiais eram estruturados a partir da gradação de estruturas gramaticais.
Apesar de todo o esforço para fazer o aprendiz ignorar sua própria língua e “pensar em inglês”, o insumo fornecido era muito pobre e constituído por frases artificiais e descontextualizadas. Vejamos um exemplo retirado de um dos manuais (ECKERSLEY, 1960) mais famosos desse método.
FIGURA 1 – Fragmentos da primeira lição do livro Essential English, book one
Como comentei em meu memorial (Paiva, 2002), tenho a impressão de que Rubem Braga deve ter aprendido inglês pelo Método Direto e se inspirado em algum manual como o da figura 1 para escrever a célebre crônica “Aula de Inglês”. Na quele texto, acontecem diálogos surrealistas. A professora mostra aos alunos objetos, tais como cinzeiro, livro, lenço e pergunta se aquilo é um elefante. O autor finaliza a crônica da seguinte forma:
“Retirei-me imensamente satisfeito daquela primeira aula; andei na rua com passo firme e ao ver, na vitrine de uma loja, alguns belos cachimbos ingleses, tive mesmo a tentação de comprar um. Certamente teria entabulado uma longa conversação com o embaixador britânico, se o encontrasse naquele momento. Eu tiraria o cachimbo da boca e lhe diria:
─ It’s not an ash tray!
E ele na certa ficaria muito satisfeito por ver que eu sabia falar inglês, pois deve ser sempre agradável a um embaixador ver que sua língua natal começa a ser versada pelas pessoas de boa-fé do país junto a cujo governo é acreditado.”
Rubem Braga consegue, com seu humor, demonstrar como o Método Direto, que se propunha a desenvolver as habilidades orais, se equivocava ao fazer com que o aluno praticasse frases com foco exclusivo na forma e que não encontravam nenhuma correspondência na vida real.
Luiz Fernando Veríssimo (1982) também critica esses textos nonsense na deliciosa história Lições Modernas. No início de seu texto, ele repete o discurso que estamos cansados de ouvir em propagandas de cursos livres e de divulgadores de materiais didáticos:
Não é mais possível ensinar uma língua estrangeira, como o francês ou o inglês, com os métodos antigos. Os alunos de hoje querem movimento, ação, enredo. Não querem frases num livro. E não há por que separar as línguas. O aluno moderno deve estar preparado para passar do inglês para o francês ao menor excuse me ou s’il vous plaît.
Veríssimo propõe então um método para o ensino simultâneo do francês e do inglês e desenvolve um script a ser encenado pelos alunos. Os diálogos acontecem em um bar e são compostos pelas frases típicas dos livros didáticos e que, provavelmente, ainda podem ser encontradas em nossas salas de aula. Transcrevo apenas parte do diálogo final:
Barman – Hello, John.
John – Where is the pencil?
Barman (indeciso) – The pencil is on the table…
O garoto dirige-se para a mesa. O murmúrio percorre o bar. Uma mulher leva a mão ao pescoço.
John – Is this a table?
Homen (irritado) – Oui, ça c’est une table.
John (apontando para a caneta da mulher) – Is this a pencil?
Monsieur Dupont (afastando o garoto violentamente)
- Non, ca c’est la plume de ma tante.
Mr Brown corre para socorrer o filho. Mrs Brown, indiferente, pede um gim fizz.
Mr. Brown (desafiando Monsieur Dupont) – This is a pencil.
Monsieur Dupont – Ça n’est pas un crayon. C’est la plume de ma tante.
Mr. Brown – This is a pencil!
Os dois começam a brigar. O conflito alastra-se. Todos Brigam no bar. Entra a apresentadora.
Apresentadora – Esta foi a nossa primeira lição. Não percam a aula de amanhã, quando ficaremos sabendo tudo sobre o possessivo em inglês e a contração em francês no palpitante Apóstrofe e Paixão...
Os diálogos imaginados por Braga e por Veríssimo captam bem o nonsense em que se transformara o ensino de línguas nas escolas regulares onde a língua retratada na sala de aula não encontrava correspondência com o dia a dia do aprendiz.
Richards e Rodgers (1993, p. 11) comentam que, apesar da popularidade do Método Direto na Europa, nem todos o abraçaram com entusiasmo, pois lhe faltava uma base metodológica sólida. Essa base metodológica foi alcançada na abordagem seguinte que ficou conhecida no Brasil como áudio-oral.
O método Áudio-oral, ou áudio-lingual, foi desenvolvido durante a segunda guerra mundial, devido à urgência de se ensinar línguas estrangeiras aos soldados americanos, em pouco tempo. O método teve como suporte da psicologia o behaviorismo que advogava que a aprendizagem é um comportamento observável, produto de estímulo e resposta, ou seja, de condicionamento. A língua passa a ser vista como um conjunto de hábitos a serem automatizados e não mais como um conjunto de regras a serem memorizadas.
Na lingüística, o estruturalismo e os estudos da análise contrastiva fornecem os suportes necessários para a seleção das estruturas sintáticas a serem inseridas nos materiais didáticos. O avanço da fonologia influencia a ênfase na pronúncia e na entonação. O método que tem por objetivo criar hábitos automáticos de fala para comunicação era orientado pelos seguintes princípios:
1. deve-se aprender a língua e não sobre a língua,
2. as estruturas devem vir em uma seqüência gramatical,
3. as estruturas devem ser praticadas até serem automatizadas,
4. as regras gramaticais devem ser aprendidas intuitivamente através de analogia.
5. os hábitos lingüísticos são formados pela saturação da prática.
A prática oral incluía modelos de discurso oral e os diálogos vinham, geralmente, acompanhados de ilustrações. O uso da língua materna era evitado a todo custo tanto para explicações como para traduções. Uma variante desse método era o áudio-visual, cujo material consistia de textos, slides e fitas gravadas de forma a expor os aprendizes ao som dos falantes nativos.
Como o conceito de aprendizagem era baseado no condicionamento, acreditava-se que o erro era algo a ser evitado a todo preço, pois a interiorização de estruturas sintáticas ou sonoras erradas poderia criar hábitos incorretos. As situações de aprendizagem deveriam ser bem controladas de forma a prevenir os erros e, caso eles ocorressem, deveriam ser sempre corrigidos para evitar a fossilização[1].
Os vários tipos de exercícios estruturais eram repetidos pelos alunos tendo o professor como um maestro que decidia sobre a dinâmicas das repetições: ora a turma inteira, ora a metade da turma, uma fila de alunos, um aluno individual, etc.
Veja abaixo a reprodução de duas páginas do livro English 900 (COLLIER-MACMILLAN, 1964), um material que foi muito usado no Brasil, na década de 70.
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FIGURA 2 – marcas de entonação FIGURA 3 – exercícios estruturais
English 900, book two, p.14) English 900, book two, p.14
Na figura 2, percebe-se a preocupação com a entonação na apresentação das estruturas da lição. Essas mesmas estruturas eram depois trabalhadas em forma de pequenos diálogos e de exercícios estruturais.
Na figura 3, temos uma amostra dos exercícios estruturais de substituição que eram trabalhados da seguinte forma: o professor repetia a estrutura básica várias vezes e depois ia promovendo a substituição de um determinado vocábulo ou sintagma. No exercício 4, por exemplo, após repetir, várias vezes, a frase Does your friend speak English?, o professor enunciaria a palavra German e os alunos fariam a substituição repetindo a frase Does your friend speak German?, e assim por diante.
Os outros tipos de exercício trabalhavam as estruturas recombinando-as ou transformando-as em formas negativa, interrogativa, afirmativa, passiva, etc. Eram também comuns os exercícios de completar lacunas. Alguns materiais traziam ainda os minimal pairs para treinar os sons em seus contrastes mínimos, como por exemplo: sheep/ship; chin/tin; beach/bitch; bet/bat; etc.
Acredito que nenhum profissional que tenha vivenciado esse período da história do ensino de línguas negaria que o método teve o mérito de dar aos aprendizes bastante fluência, pois as habilidades orais eram desenvolvidas desde o primeiro dia do curso. As fitas gravadas forneciam bons modelos de pronúncia e entonação, as dificuldades eram graduadas, era possível prever os erros e oferecer a prática necessária para tentar impedi-los.
Um dos méritos desse método, conforme registro de Larsen-Freeman (1986, p. 42), foi o de ampliar o conceito de cultura que deixa de ser vista apenas como artes e literatura para incluir o comportamento cotidiano dos usuários da língua alvo.
No entanto, os materiais didáticos apresentavam muitos exemplos artificiais e os professores, influenciados pelo behaviorismo, tentavam impedir as hesitações e as pausas, contrariando as características naturais das interações conversacionais. Havia uma ênfase exagerada nas diferenças entre as duas línguas, ignorando as semelhanças e oferecendo pouco estímulo às atividades mentais, pois se almejava o automatismo. O método costumava agradar às crianças e desagradar aos adultos devido às atividades cansativas de repetição.
Os críticos do método diziam que, de tanto repetir as mesmas frases, os aprendizes criariam hábitos automáticos e se transformavam em papagaios. Em um dos livros da época havia o seguinte diálogo:
Where do you come from?
I come from a little town not far from here.
Os detratores do método diziam que, quando confrontadas com a pergunta Where do you come from?, as pessoas responderiam, automaticamente, I come from a little town not far from here. Essa crítica ignora a capacidade do ser humano de pensar e produzir sentido, mesmo que ele nunca tenha antes ouvido ou produzido determinado enunciado.
Essa criatividade fruto da singularidade do falante, ressaltada por Chomsky (1957), foi um dos construtos que mais influenciou o nascimento de uma nova abordagem – a abordagem comunicativa.
O empenho em se ensinarem as habilidades orais, antes da abordagem comunicativa, esbarrava na falta de estudos sobre o fenômeno da comunicação humana e das características da linguagem oral. A partir da década de 60, os estudos lingüísticos trazem contribuições fundamentais à nova visão de ensino e aprendizagem de línguas.
Apesar da importância do pensamento de Chomsky sobre nossa capacidade inata (competência) para gerar enunciados, foi um de seus críticos, Dell Hymes, quem forneceu um dos conceitos estruturantes da nova abordagem – a competência comunicativa.
Dell Hymes (1972), ao contrário de Chomsky (1957) que preconizava o estudo das estruturas mentais internas do indivíduo, defende o estudo da comunicação e da cultura. Para Hymes, um falante para ser comunicativamente competente não deve apenas dominar as estruturas lingüísticas, mas saber, também, como a língua é usada pelos membros de uma comunidade de fala. Para tanto, esse falante deve ser capaz de produzir enunciados adequados ao contexto, viáveis em termos de processamento cognitivo[2] (respeitando limitações de memória, por exemplo), e plausíveis, ou seja,
devem corresponder ao uso da língua por seus falantes e não lhes causar estranhamento.
O conceito de competência comunicativa foi modificado por Canale e Swain (1980) que sugerem quatro dimensões: a gramatical (domínio do sistema lingüístico em termos de regras e uso); a sociolingüística (habilidade de usar a língua de forma adequada ao contexto); a discursiva (a habilidade de combinar forma e conteúdo de forma coerente); e a estratégica (a habilidade para superar limitações na produção lingüística e resolver problemas de comunicação).
Outros estudos também influenciaram os rumos do ensino de línguas, tanto maternas quanto estrangeiras. Destaco Austin (1962), com a teoria dos atos de fala, que postula que a linguagem tem uma força ilocucionária e que quando falamos executamos ações tais como prometer, pedir permissão, elogiar, etc. e Halliday (1973), que defende a investigação de como a língua é usada, procurando explicar a natureza da linguagem em termos de seu funcionamento.
Na lingüística aplicada, os dois pilares da nova abordagem foram os livros Notional Syllabuses de Wilkins (1976) e Teaching language as communication de Widdowson (1978), este último traduzido, no Brasil, por José Carlos Paes de Almeida Filho como Ensino de línguas para comunicação, em 1991.
Wilkins (1976) inova o ensino de línguas ao propor que a organização do material didático seja feita pelas noções, ou seja, os significados (lugar, espaço, tempo, movimento) e pelas funções da linguagem ou atos comunicativos (ex. pedir e dar informações, fazer um pedido em um restaurante; expressar sentimentos, etc).
Widdowson (1978) discute conceitos fundamentais para a nova abordagem, tais como correção e adequação; usage (palavras e estruturas que compõem o sistema lingüístico) e use (a forma como o sistema lingüístico é usado para objetivos comunicacionais); coesão (relações entre os elementos lexicais e gramaticais dentro de um texto) e coerência (as relações entre os enunciados e a produção de sentido no discurso); e ato ilocucionário (o uso dos enunciados para executar uma função).
Widdowson (1978: 67) afirma que “communicative abilities embrace linguistic skills but not the reverse”[3] . Essa afirmação pode ser comprovada na análise dos métodos anteriores que, ao priorizarem as estruturas gramaticais deixavam de lado seu uso para a comunicação. Muitas vezes eram produzidos enunciados que dificilmente seriam ou serão ouvidos em uma situação de comunicação real. O autor ressalta que o ensino para a comunicação demanda uma abordagem que associe as habilidades lingüísticas às comunicativas (p. 144).
Trabalhos na área da psicologia também influenciaram e continuam influenciando a abordagem comunicativa. Merecem ser citados, dentre outros, Piaget (1954, 1970) com o conceito de construtivismo e a epistemologia genética; Vygostky (1984, 1987) e o sócio-interacionismo; Carl Roger (1969) e a psicologia humanista.
Uma outra área que tem trazido contribuições fundamentais ao ensino comunicativo é a análise do discurso, com inúmeros estudos sobre interação na sala de aula (ver, por exemplo, Sinclair Coulthard, 1975 e Tsui, 1995 ) e sobre discurso e ensino de línguas (Cook, 1989; McCarthy 1991; Hatch, 1992 e muitos outros).
Algumas das características fundamentais da abordagem são:
1. a língua deve ser entendida como discurso, ou seja, um sistema para expressar sentido,
2. deve-se ensinar a língua e não sobre a língua,
3. a função principal da língua é a interação com propósitos comunicativos,
4. os aprendizes devem ter contato com amostras de língua autêntica,
5. a fluência é tão importante quanto a precisão gramatical,
6. a competência é construída pelo uso da língua,
7. deve-se incentivar a criatividade dos alunos,
8. o erro deve ser visto como testagem de hipóteses,
9. a reflexão sobre os processos de aprendizagem deve ser estimulada de forma a contribuir para a autonomia dos aprendizes,
10. a sala de aula deve propiciar a aprendizagem colaborativa.
O livro didático, na abordagem comunicativa, deixa de ser uma bíblia a ser seguida cegamente, e torna-se um dos recursos para a aprendizagem, pois os alunos devem ser também expostos a insumo autêntico (revistas, jornais, filmes, vídeos, programas de TV, canções, mapas, menus, gráficos,etc, além dos diversos recursos da Internet).
São várias as possibilidades de organização de um curso, como relata Richards e Rodgers (1993, p.74): estruturas e funções; funções; noções; curso baseado em tarefas; curso organizado a partir das necessidades dos alunos, entre outras.
Uma abordagem que vem se firmando é a da aprendizagem baseada em tarefas (Littlewood, 1981; Xavier e Lima, 1996; Prabhu, 1987; Nunan, 1989; Ellis, 2003; Xavier, 1999 e 2004)
Littlewood (1981) divide as tarefas em atividades comunicativas funcionais, atividades de interação social e atividades de compreensão oral. Ele apresenta os seguintes tipos de atividades comunicativas funcionais: compartilhar informação com cooperação restrita (ex. identificar gravuras, identificar pares idênticos, descobrir seqüências ou locações, etc); compartilhar informação com cooperação irrestrita (ex. descobrir diferenças, seguir instruções); compartilhar e processar informação (ex. reconstruir a seqüência de uma história, reunir informações para resolver um problema, etc); e processar informação (ex. planejar a programação de um fim de semana em determinada cidade, após ler informações turísticas sobre o local). As atividades de interação social são classificadas como uso da língua para gerenciamento da sala de aula, como meio de ensino, diálogos e role-plays. As tarefas dedicadas ao desenvolvimento da compreensão oral incluem: ouvir para executar uma tarefa (ex. selecionar uma gravura correspondente a uma descrição, ordenar gravuras, localizar itens, desenhar, construir e executar ações); ouvir para transferir informações (ex. ouvir um texto e preencher um formulário com algumas informações); e reformular e avaliar informações (ex. notas e sumário); e ouvir para construir sentido social (ex. identificar status do falante).
Segundo Xavier (2004, p. 119),
[O]s programas baseados em tarefas trazem uma lista de atividades a serem trabalhadas em sala de aula (e em suas extensões), podendo variar quanto ao seu formato (ex. pergunta-resposta, colunas para associação de informações), natureza (ex. do mundo real ou pedagógica), objetivo (i.e. cognitivo, afetivo, lingüístico ou psicomotor), dificuldade cognitiva ou lingüística, tipo de insumo (ex. verbal ou não-verbal), configuração da classe (i.e. em grupo/individual), habilidades lingüísticas envolvidas, tipo de resposta (i.e. simples/complexa, aberta/fechada, verbal/não verbal), tempo de realização e extensão (i.e. curtas ou longas)
Ellis (2003), em seu prefácio, justifica o fato de ter escrito um livro sobre o ensino baseado em tarefas pelo seu comprometimento com uma forma de ensinar que trata a língua como uma ferramenta para a comunicação e não como objeto de análise. Ele considera as tarefas como uma possibilidade de organização da aprendizagem que permite que os alunos desenvolvam a competência comunicativa, usando a língua, de forma fácil e efetiva, em situações semelhantes às que eles encontrarão fora da sala de aula.
Veja, a seguir, três exemplos de tarefas. A primeira sugerida por Ellis (2003), a segunda por Xavier e Lima (1996), e a terceira por Nunan (1989)
Asking for help
Woork in pairs. One student looks at card A. The other looks at Card B.
Practice the conversation
Card A You are a student. You want your friend to help you with some homework.
A Check if B is busy. B ________________________ A Ask him/her to help you. B ________________________ A Try to persuade him/her. B ________________________ A Thank him/her.
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Card B You are a student. Your friends wants you to help him/her with homework. You are not keen.
A _______________________. B Tell him/her you are not doing anything. A ________________________ B Refuse. Give a reason. A ________________________ B Agree reluctantly. A ________________________
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FIGURA 4 – Tarefa comunicativa em Nunan (2003, p.13)
Interview 10 people of the same sex. Use the list of sports below. The answers YES or NO will be reported in the boxes.
DO YOU LIKE WATCHING………………………..
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1. football? |
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2. boxing? |
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3. volleyball? |
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4. tennis? |
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5. car racing? |
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6. judô? |
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7. basketball? |
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8. running? |
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9. motorcycle racing. |
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10. surfing |
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FIGURA 5 – Tarefa comunicativa em Ellis (2003, p.13)
FIGURA 6 – Tarefa comunicativa em Nunan (1989, p.13)
A abordagem comunicativa, ao levar em consideração o discurso, poderia ter mudado a face do ensino de línguas. No entanto, um número elevado de professores ainda não conseguiu se desvencilhar do ensino da gramática pela gramática, sem nenhum foco no sentido. Isso pode ser comprovado pelos depoimentos dos aprendizes de LE cujas narrativas estão publicadas no projeto AMFALE[4]. Os exercícios de manipulação da forma, do tipo transformação de estruturas afirmativas em negativas e interrogativas, continuam arraigadas nas práticas pedagógicas dos professores do ensino fundamental e médio.
Um outro problema são os materiais didáticos. Muitos livros, apesar de se intitularem comunicativos, apresentam textos artificiais, outros mais comunicativos, apresentam atividades muito distantes da realidade dos aprendizes. Cito, como exemplos, alguns exercícios com mapas de lugares dos quais nunca ouvimos falar ou ainda informações sobre celebridades locais como bandas, jogadores, etc., pouco conhecidos no Brasil.
A mudança é lenta, mas começa a acontecer. Várias experiências de sucesso (ver, por exemplo, Xavier, 1999 e Amaral, 2000 ) começam a ser relatadas nos trabalhos de mestrandos e doutorandos dos vários programas de pós-graduação no país.
Por fim, convido o leitor a ler as narrativas de aprendizagem coletadas pelo projeto AMFALE. Lá, veremos, nas vozes dos vários narradores, que muitos aprendizes, quando confrontados com um ensino que privilegia as formas gramaticais e a tradução, buscam insumo autêntico (filme, música, revistas), em claras manifestações de autonomia. É saliente, nas várias falas, o desejo por um ensino que privilegie o sentido e a comunicação.
Respaldada por esses depoimentos, posso, agora responder à pergunta inicial. Como se aprende uma língua estrangeira? Acredito que isso acontece quando a língua faz sentido para o aprendiz e lhe oferece oportunidades de uso da língua, seja lendo, ouvindo, falando, escrevendo, ou interagindo pelo computador.
Referências Bibliográficas
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[1] Fossilização, segundo o Longman Dictionary of Applied Linguistics (RICHARDS et al., 1987) é um processo em que aspectos lingüísticos incorretos incorporam-se, de forma permanente, na fala ou na escrita de uma pessoa.
[2] Um bom exemplo de um enunciado que causa sobrecarga cognitiva é o início da primeira estrofe de nosso hino nacional. A sintaxe é tão complicada, tão cheia de inversões, que torna o texto incompreensível para a maioria de seus ouvintes.
[3] “As habilidades comunicativas englobam as habilidades lingüísticas, mas o inverso não é verdadeiro” (minha tradução)
[4] O projeto AMFALE (Aprendendo com memórias de falantes e aprendizes de línguas estrangeiras) reúne um corpus com narrativas de aprendizes de várias língua estrangeiras. Essas narrativas podem ser lidas no endereço eletrônico http://www.veramenezes.com/amfale.htm.