PAIVA, V.L.M.O. Da estrutura frasal à estrutura discursiva. Revista de Estudos da Linguagem. Belo Horizonte, ano 5, n.4, v.1, p. 19-29. jan./jun. 1996.  

DA ESTRUTURA FRASAL À ESTRUTURA DISCURSIVA

Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva (UFMG)

O conceito de estrutura sempre permeou os estudos da ciência da linguagem. Devemos a Platão a intuição de que a sentença é a unidade do discurso, pois é ele quem divide a sentença em duas partes - a verbal e a nominal - e a Aristóteles, a primeira classificação das classes de palavras. Como disse Ducrot (1968:24), se se entender por estrutura toda organização regular, a pesquisa de estruturas lingüísticas é tão velha quanto o estudo das línguas. Segundo Ducrot (1968: 26),

...o estruturalismo do século XX não terá, portanto, de introduzir, em Lingüística, a noção de estrutura, que nela se encontra desde o começo. Sua originalidade será antes estabelecer, pela reflexão acerca das línguas, uma nova significação para essa palavra; transformar a idéia de estrutura, e não aplicá-la.

Quando se fala em estruturalismo, o nome mais lembrado é o de Saussure (1857-1913) que, apesar de ter usado a palavra "sistema" no lugar de "estrutura", dá nova dimensão a esse conceito. Em seus cursos, Saussure rejeita a separação entre morfologia e sintaxe e propõe a descrição gramatical de uma língua a partir de uma dupla articulação: sintagmática e paradigmática. O eixo sintagmático é responsável pelo encadeamento dos termos da oração numa extensão linear e o paradigmático, pela seleção dos elementos que podem entrar num ponto dessa cadeia linear. O objetivo da gramática de Saussure, nomeada por seus seguidores de "Estruturalismo", é estudar a organização da língua: estudar o sistema lingüístico, investigando as relações entre as unidades lingüísticas através de suas oposições ou contrastes, ignorando totalmente os estudos da lingüística histórica, ou seja, a mutação do sistema através dos tempos.

O termo "estruturalismo" tem sido usado de modo geral, para nomear vários grupos de lingüistas. Quando se fala em ensino de línguas estrangeiras, os nomes mais lembrados são Bloomfield e Fries, cujos trabalhos associados aos princípios behavioristas, serviram de base ao Método Audiolingual.  Formação de hábito torna-se a pedra fundamental do ensino de línguas e, como nos lembra Wilkins (1978:19), aprender uma língua estrangeira passa a ser sinônimo de adquirir domínio da organização formal dessa língua, negligenciando-se as relações semânticas e a função social da língua.

Para desenvolver meu tópico, da estrutura frasal à estrutura discursiva, gostaria de fazer um percurso histórico pelo ensino de línguas, fazendo um paralelo com a arquitetura, tomando como referência o conjunto arquitetônico da Praça da Liberdade.

Segundo Howat (1984:64), na Europa, no século XVIII, pessoas que até então tinham contato com obras inglesas, através do francês, a língua do iluminismo, perceberam que aquela não era a melhor forma de se estudar a literatura e a filosofia  inglesas e começaram, então, a aprender a língua para ler os originais. Segundo o mesmo autor, no final do século XVIII, o interesse dos alemães por Shakespeare era quase uma obsessão. O interesse em ler obras em outras línguas, foi a mola propulsora para a expansão do ensino de outras línguas diferentes do latim e do grego que até então predominavam nos currículos escolares. Era natural que o ensino de línguas estrangeiras reproduzisse a metodologia do ensino do latim e do grego, ou seja, estudo de regras gramaticais que seriam utilizadas para interpretar textos com o auxílio de um dicionário. Segundo Howat (1984:131), esse tipo de método funcionava com pessoas cultas familiarizadas com a gramática clássica e que estudavam de forma autônoma, mas não era apropriado ao ensino em grupo para aprendizes mais jovens. No final do século XVIII, surge então o Método de Gramática e Tradução, tendo como objetivo facilitar a aprendizagem com a introdução de frases exemplificatórias em substituição aos textos tradicionais, e acrescenta Howat (1984:131-2), "é apropriado observar aqui que a abordagem estruturalista do século vinte também teve como fundamento a supremacia da frase e que as duas metodologias têm muito em comum." O objetivo final, no entanto, continuava sendo a leitura.

O ensino de línguas através do Método de Gramática e Tradução pode ser associado aos prédios mais antigos da Praça da Liberdade, em estilo neoclássico. A arquitetura neoclássica substitui a sensualidade e a trivialidade do estilo rococó por um estilo mais lógico e de tom mais solene, celebrando a simplicidade e a grandiosidade da arte greco-romana (Infopedia). O ensino de línguas, por sua vez, agora, substitui os textos literários por textos mais práticos precedidos de exercícios com frases exemplificatórias, com o propósito de simplificar o ensino, mas sem perder de vista a grandiosidade da literatura que é o seu objetivo final. Os livros didáticos forneciam listas de palavras e regras gramaticais graduadas por nível de dificuldade. Cada passo era devidamente exemplificado com frases mais simples do que aquelas encontradas nos textos dos grandes autores, seguidas de exercícios de tradução.

Quando olho para o edifício neoclássico e vejo a repetição de estruturas européias copiadas e repetidas harmoniosamente para formar seu todo, imagino um curso de gramática e tradução onde cada estrutura lingüística estaria representada em uma janela, em um balcão, em uma coluna, em uma porta, em um beiral. A repetição de um mesmo elemento arquitetônico seria mais uma frase exemplificatória e a soma de tudo, o prédio, formaria a competência gramatical do aprendiz.

No final do século XIX, o movimento reformista faz surgir uma nova metodologia, o Método Direto, que privilegia a fala, a contextualização, o ensino de fonética e a aprendizagem da gramática por indução, ou seja, o texto fornece os dados para as regras gramaticais em vez de serem usados para exemplificar regras previamente apreendidas fora de contexto (Howat:1994: 173).

O associonismo é a contribuição da psicologia para a nova metodologia, com a idéia de que a mente combina elementos simples através de associações. Acreditava-se que, através dessas associações, o aprendiz iria adquirindo a língua alvo e pensando naquela língua. Recusava-se o uso da tradução, pois esta poderia prejudicar as associações. As estruturas eram apresentadas através de perguntas e respostas e o professor estimulava as associações através de mímicas, gestos e objetos.

O edifício do IPSEMG nos lembra o Método Direto. Primeiro, porque a estrutura do edifício conduz nosso olhar para dentro dele mesmo e assim podemos desvendar seu interior sem a necessidade de intermediários, de tradução. No Método Direto, a língua materna perde seu papel de mediadora e é banida da sala de aula. Aprende-se a outra língua através dela mesma. A gramática é aprendida de forma indutiva, através da introdução gradativa das estruturas. Em segundo lugar, porque ao ver todas aquelas mesas e cadeiras reveladas pela transparência das vidraças, lembro-me das lições iniciais nos manuais do Método Direto que se dedicavam a nomear os objetos da sala de aula através de perguntas e respostas do tipo "O que é isto?" e "O que é aquilo?".

Do edifício do IPSEMG vamos direto ao prédio residencial projetado por Niemayer. É nele que identificamos a abordagem estrutural, mais conhecida, entre nós, por Método Audio-oral. A base dessa abordagem consistia na prática de estruturas através de muita repetição e conseqüente automatização. Ora, o prédio de Niemayer, nada mais é do que a repetição de uma mesma estrutura, que poderia ir se repetindo ad infinitum. O prédio é um exercício estrutural, que enfatiza a forma e não o significado.

A metáfora do edifício pode ser encontrada em textos que descrevem a abordagem estrutural. Bowen (1968:76), por exemplo, em seu artigo The concept of pattern (O conceito de modelo ), diz que:

O modelo é algo como uma planta heliográfica. Uma planta poderia servir para construir muitas casas, todas com o mesmo modelo. Os tijolos específicos que são usados em uma casa não serão os mesmos que serão usados em outra: isto não é relevante para o projeto da casa. Mas não podemos usar tijolos onde estão previstos lambris sem alterar o projeto básico.

Por exemplo, em termos da estrutura do inglês, um tipo de "planta heliográfica" poderia ser descrita como:

The....................................................................

Colocando os "tijolos", obteríamos qualquer uma das seguintes frases, diferentes umas das outras porque elas são feitas de itens individuais diferentes (neste caso, tijolos), apesar dos itens serem da mesma espécie.

The big dog likes bones.

The old man makes baskets.

The dilapidated house needs repairs.

Se colocarmos nos espaços, um item de espécie diferente (um "lambri " no lugar de um "tijolo"), obteremos uma sentença idiota como, por exemplo,

*The run go windows his.

O pressuposto teórico básico da metodologia é o de que

"...a língua é um conjunto de hábitos que capacitam os órgãos vocais a produzir sons para o propósito da comunicação humana. Em outras palavras, a língua é um código que consiste em um conjunto de hábitos; os sons da fala são os veículos que transportam a mensagem ou conteúdo da comunicação em si mesma..." (Haugen, 1968)

Para formar os hábitos, o aprendiz era exposto exaustivamente à mesma estrutura (modelo) através de exercícios estruturais (exercícios de repetição) e, quanto mais diferentes fossem as estruturas da língua alvo em relação à língua nativa, mais intensamente deveriam ser praticadas.

Uma aula no Método Audio-oral deveria seguir a fórmula - APRESENTE - PRATIQUE - PRODUZA. O professor apresentava as estruturas, os alunos praticavam-nas e depois produziam, produção essa constituída, na maioria das vezes, por simples paráfrases ou imitações. Os livros didáticos seguiam uma estrutura fixa da primeira à última lição: diálogos ou frases soltas introduziam as estruturas que eram praticadas em uma segunda seção de exercícios estruturais orais e uma terceira parte trazia exercícios escritos e/ou uma leitura (sempre textos artificialmente produzidos). Os diálogos e/ou frases soltas deveriam ser memorizados pelos alunos. O conceito de DIFERENÇA, marca do estruturalismo, estava presente na utilização de pares mínimos para o ensino de pronúncia onde apenas um som era contrastado. Acreditava-se que a aprendizagem se dava através da repetição exaustiva dos sons contrastados e a conseqüente formação de hábito ou automatização.

Os outros pressupostos, além da "língua é um conjunto de hábitos" eram: "a linguagem é fala e não escrita", "ensine a língua e não sobre a língua" e "a língua a ser ensinada deveria ser a que os nativos utilizam e não a que pensamos que eles utilizam".

Esse último pressuposto indica que a noção de gramaticalidade começa a ser questionada, mas a incorporação das variações lingüísticas só será efetivada com o surgimento das abordagens comunicativas.

Atravessamos a praça e chegamos ao Centro de Apoio Turístico Tancredo Neves, vulgarmente denominado de "Rainha da Sucata". É no pós-modernismo da "Rainha da Sucata" que buscaremos as analogias com a abordagem comunicativa. Se o compararmos com o prédio de Niemayer, vamos observar que não temos mais a repetição de uma mesma forma, mas a interação de várias formas, de vários materiais. No ensino de língua, saímos da ênfase à forma e partimos para a ênfase ao conteúdo. Saímos do nível da frase para o nível do discurso, com a introdução de gêneros discursivos diversos. As frases soltas cedem lugar aos textos orais e escritos, surgem as noções de coerência e coesão e os gêneros passam a ter suas estruturas descritas. Numa versão pós-estruturalista, a noção de sistema gramatical, entendido como combinação linear de elementos, ainda é um referente, mas a partir de Dell Hymes (1972), além da gramaticalidade, são introduzidas as noções de aceitabilidade, viabilidade e uso. A oposição deixa de ser entre o gramatical e o agramatical, entre o padrão e o não-padrão. O componente socio-lingüístico é acrescentado aos materiais didáticos e o aprendiz passa a ter contato com variações não apenas fonológicas, com a apresentação de sotaques diversos, mas com variações de uso determinadas pelo contexto. A sintaxe, a fonologia e a semântica abrem espaço para a pragmática. A relação deixa de ser entre o significante e o significado e passa a incluir um terceiro elemento, o usuário. Não se deseja mais a pronúncia igual à do nativo, mas uma pronúncia compreensível. Da mesma forma , as diferenças entre os dois idiomas deixam de ser enfatizadas. A lingüística contrastiva, que se ocupava em procurar as diferenças estruturais entre duas línguas para identificar dificuldades na aprendizagem de um novo idioma, passa agora a fazer estudos comparativos em busca das semelhanças. No ensino de L2, principalmente no ensino de leitura, enfatiza-se atualmente muito mais os cognatos do que os falsos cognatos, numericamente bastante inferiores aos primeiros.

O livro didático deixa de seguir uma formula fixa. Se examinarmos o livro adotado no Curso de Inglês da Faculdade de Letras da UFMG, por exemplo, veremos que no livro pré-intermediário, uma unidade se inicia com uma leitura, outra com um exercício gramatical, outra com um exercício de conversação, outra com um exercício de audição, e assim por diante. A organização é livre e mistura gêneros diferentes, como a "Rainha da Sucata", onde a pedra sabão convive com o mármore, com o ferro enferrujado, com o azulejo, etc.

Na abordagem comunicativa, o ensino de gramática aceita dois tipos de raciocínio, o indutivo e o dedutivo. Da mesma forma, na "Rainha da Sucata", há o olhar para dentro da estrutura, uma parte vazada que nos permite ver as partes que compõem o todo, mas há uma parte fechada que não se presta à indução. Disseram-me que, por dentro, o prédio é igual a qualquer outro prédio. Para verificar, precisamos de ter acesso ao "texto" interior. É uma surpresa, pois a observação do prédio nos leva a hipotetizar que este, por dentro, reproduziria a pós-modernidade do seu exterior. Da mesma forma que alguns arquitetos criticam a "Rainha da Sucata", alguns críticos da abordagem comunicativa, dizem que a abordagem não passa do Método Direto com roupa nova. Outro grupo, no qual me incluo, diz que o que influencia a aprendizagem são as estratégias individuais de aprendizagem. Ainda assim a metáfora arquitetônica nos serve - não importa a roupagem exterior (o método), desde que seu interior (a aprendizagem), atinja seus objetivos.

A crítica que os cognitivistas fazem às abordagens estruturais é, em si mesma, a própria negação de sua teoria. Dizer que tais abordagens impediam o aluno de pensar com a criação de hábitos lingüísticos automáticos, é ignorar a criatividade lingüística do ser humano, a existência do dispositivo de aquisição de linguagem que faz com que qualquer indivíduo aprenda a língua quando exposto a ela.

Howat (1984: 141) enfatiza que:

"As frases descontextualizadas da abordagem gramática e tradução não eram menos tolas do que os drills "científicos" do método audio-lingual, com os quais guardam muita semelhança. Ambos são decorrência inevitável de dois princípios básicos. O de que um curso de língua pode ser baseado em uma seqüência de categorias lingüísticas, e o de que estas categorias podem ser exemplificadas através de um grupo de frases a serem praticadas de forma intensiva."

E eu acrescentaria que, os textos autênticos das abordagens comunicativas, muitas vezes, não fazem nenhum sentido para aprendizes brasileiros. Como exemplo, cito os mapas de localidades estrangeiras que nunca foram e, provavelmente, nunca serão visitadas por aprendizes brasileiros. É importante também observar que as versões radicais das abordagens comunicativas, pelo menos entre nós, não tiveram muita acolhida e que os materiais didáticos que fazem mais sucesso continuam a apresentar algumas características estruturais.

Hoje temos mudança de paradigma. O paradigma APRESENTE, PRATIQUE, PRODUZA, cede lugar a outro - OBSERVE, HIPOTETIZE, EXPERIMENTE. Passamos a reconhecer a importância das estratégias individuais e, nas pesquisas por nós realizadas, constatamos que, nossos alunos, quando estudam sozinhos, fazem listas de vocabulário com tradução , ouvem fitas e repetem, tentam interagir com outras pessoas na língua 2 , etc. Nos Métodos Direto e Audio-oral, a tradução era um pecado capital, mas mesmo assim os alunos traduziam, no Audio-oral controlava-se o número de estruturas e de vocabulário a serem praticados para se evitar o erro, mas os aprendizes tentavam expandir esse vocabulário através de uso de dicionários, tentavam interagir com estrangeiros onde não havia controle do professor, etc., o que nos leva a concluir que não há um método melhor do que o outro, mas caminhos diferentes para se chegar à mesma praça, a Praça da Liberdade, à liberdade para aprender.

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

BOWEN, J. Donald. The concept of pattern. In: WISHIN, George E. & O' Hare, Thomas J. Teaching English: a collection of readings. New York: American book company,1968. p.74-78

DUCROT, Oswald. Estruturalismo e linguística. Trad. José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1968.

INFOPEDIA--Funk and Wagnall's Encyclopedia--Copyright _ by Funk and Wagnalls, Corp. NEOCLASSICAL ART AND ARCHITECTURE, p.2

HAUGEN, Einar. What is the oral approach? In: WISHIN, George E. & O' Hare, Thomas J. Teaching English: a collection of readings. New York: American book company, 1968. p.1-11

HOWAT, A. P. R. A history of English language teaching. Oxford: Oxford University Press, 1984.

HYMES, Dell. On communicative competence. In: PRIDE, J. B. & HOLMES, J. (eds) Sociolinguistics. Hardmondsworth: Penguin, 1972. 

WILKINS, D. A. Linguistics in language teaching. London: Edward Arnold, 1978.

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