PAIVA, V.L.M.O. “A formação do professor de línguas estrangeiras” . Trabalho apresentado no dia 29 de novembro de 1996, durante o I Encontro Nacional sobre Política de Ensino de Línguas Estrangeiras de 1996, promovido pela ALAB em Santa Catarina, no período de 28 a 30 de novembro de 1996.

A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE LÍNGUAS

Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva (UFMG)

Para falar da formação do professor de língua estrangeira seria interessante fazer um histórico sobre o currículo mínimo em vigor há 34 anos. Em 19 de outubro de 1962, foi aprovado pelo então Conselho Federal de Educação o parecer de n º 283 de Valnir Chagas, que trazia, entre outras, a seguinte observação: A presente estrutura de nossos cursos superiores de Letras dá a impressão de algo que se planejou para não ser executado. A referência se justificava em função da divisão do curso de Letras em conjuntos de línguas nos quais o grupo das Línguas Neolatinas era um exemplo extremo, pois previa a aprendizagem de cinco línguas com suas respectivas literaturas

Apesar da substituição dos conjuntos de línguas por apenas uma língua estrangeira, a afirmação de Valnir Chagas continua válida. A maioria dos cursos de Letras do país oferecem apenas a língua inglesa e, escorados no currículo mínimo, reservam um número insuficiente de horas para seu ensino - cerca de 360 horas de língua e 120 de literaturas inglesa e americana. As Universidades Federais, por não visarem ao lucro, ofertam outras línguas estrangeiras e uma carga didática um pouco maior, mas, ainda assim, insuficiente para uma formação adequada do professor de língua estrangeira. Parece que continuamos com algo que se planejou para não ser executado.

É importante também ressaltar que, naquela época, havia uma grande demanda por professores de língua portuguesa devido ao aumento de sua carga didática nos currículos escolares. Esse fato gerou uma proposta, em nome da "autenticidade" e da "flexibilidade"(palavras do relator) de uma nova estrutura para os cursos de Letras - o diploma duplo.

Chagas considerava inconcebível que um professor de língua estrangeira não o fosse também de língua portuguesa. Em seu parecer ressaltava

... a total inconveniência de que seja alguém autorizado a lecionar língua estrangeira sem o completo domínio do idioma vernáculo e (...) a irresistível motivação de ordem profissional. Em conseqüência, forçoso é que se abra caminho para uma nova concepção em que todo professor de língua estrangeira o seja também de Português. Daí não sendo lícito inferir que a recíproca sempre deve ou possa ocorrer.

Foi então aprovada, em 1962, uma proposta de currículo mínimo de Letras formado por uma parte comum e outra diversificada em duas possibilidades de habilitação - Português ou Português e uma Língua Estrangeira clássica ou moderna. A composição do currículo mínimo ficou da seguinte forma:

Art. 1º . - O currículo mínimo dos cursos que habilitam à licenciatura em Letras compreende 8 (oito) matérias escolhidas na forma abaixo indicada, além das matérias pedagógicas fixadas em Resolução Especial:

Língua Portuguesa

Literatura Portuguesa

Literatura Brasileira

Língua Latina

Lingüística

8. Três matérias escolhidas dentre as seguintes

Cultura Brasileira

Teoria da Literatura

Uma língua estrangeira moderna

Literatura correspondente à língua escolhida na forma da letra anterior

Literatura Latina

Filologia Românica

Língua Grega

Literatura Grega

 

A escolha dos itens c e g importa em obrigatoriedade das matérias constantes das letras d e h.

Quatro anos depois, em 15 de abril de 1966, o mesmo relator examinou um estudo encaminhado pela USP e emitiu parecer favorável à proposta de um terceira possibilidade de habilitação - Língua Estrangeira e respectiva literatura. São Paulo contava à época com 18 cursos de Letras, e a USP considerava que havia cursos suficientes para atender à demanda do mercado para professores de Português e solicitava autorização para diploma único em língua estrangeira como proposta experimental circunscrita àquela universidade. O relator, no entanto, teve a prudência de se pronunciar a favor dessa terceira opção para todo o território nacional, acreditando que o mercado faria com que se prevalecesse a formação de professores de Língua Portuguesa.

O pedido da USP, talvez movido pela prudência, não sugeria alteração do currículo mínimo; aliás, afirmava não estar propondo tal alteração, e o currículo mínimo permaneceu inalterado.

Quanto à formação pedagógica, a resolução nº 9, de 10 de outubro de 1969 determina o seguinte:

Art. 1º - Os currículos mínimos dos cursos que habilitem ao exercício do magistério, em escolas de 2º grau, abrangerão as matérias de conteúdo fixadas em cada caso e as seguintes matérias pedagógicas:

a) Psicologia da Educação (focalizando pelo menos os aspectos da Adolescência e Aprendizagem):

B) Didática;

c) Estrutura e Funcionamento de Ensino de 2º Grau.

Art. 2º - Será obrigatória a Prática de Ensino das matérias que sejam objeto de habilitação profissional, sob forma de estágio supervisionado e desenvolver-se em situação real, de preferência em escola da comunidade.

Art. 3º - A formação pedagógica prescrita nos artigos anteriores será ministrada em, pelo menos, um oitavo (1/8) das horas de trabalho fixadas, como duração mínima, para cada curso de licenciatura.

Art. 4º - As disposições dessa resolução terão vigência a partir do ano letivo de 1970, revogadas as disposições em contrário.

É neste contexto que estão inseridos, até hoje, os nossos cursos de Letras. A maioria dos cursos do país se constituem sob forma de diploma duplo e privilegia-se, naturalmente, o ensino de Língua Portuguesa. A carga horária de língua estrangeira não chega, na maioria dos cursos, à metade do número de horas exigidas no currículo mínimo.

A presença da Língua Portuguesa no currículo parte do pressuposto equivocado de que aos 18 anos, em média, os falantes são incompetentes na língua materna, pois o parecer que o embasa aponta para a total inconveniência de que seja alguém autorizado a lecionar língua estrangeira sem o completo domínio do idioma vernáculo. O conceito purista do domínio do idioma materno é aliado a uma visão diacrônica do mesmo idioma, traduzida na obrigatoriedade da língua latina no currículo.

Não estou, de forma alguma, ignorando que muitos de nossos alunos apresentam dificuldade com o português padrão, mas isso poderia ser resolvido através de um currículo mais flexível que oferecesse cursos de Língua Portuguesa como disciplinas optativas. Mesmo nos cursos de diploma único em língua estrangeira, o que vemos hoje são, normalmente, três ou quatro semestres obrigatórios de língua portuguesa cujo conteúdo varia entre dois extremos: treinamento em análise sintática e crítica à gramática tradicional. Ora, não se adquire português padrão através de metalinguagem.

Um problema a ser resolvido é o pouco espaço que é reservado à língua estrangeira.O quadro abaixo demonstra a distribuição da carga didática de língua e literatura inglesa em alguns cursos de licenciatura em Língua Inglesa. Vamos utilizar língua inglesa como exemplo por ser o curso mais oferecido no país.

 

UNIVERSIDADE

 

LÍNGUA INGLESA

 

LITERATURAS

 

CARGA TOTAL

FUNREI (5 anos)

diploma duplo

420

360

780

UFBA (4 anos)

diploma único

300

+ 3 optativas

240

+ 3 optativas

1040

UFMG (4 anos)

diploma único

420

4 optativas*

360

4 optativas *

780

240 *

UFG (5 anos)

diploma duplo

672 +

128 de introd. tradução

416

1088

UFRGN

diploma único

420

240

660

UFRGS

diploma único

570

240

810

UFRJ

diploma duplo

480

390

870

UFSC (4 anos)

diploma duplo

1440

314

1754

UFU

diploma único

diploma duplo

 

660

480

60 de L.Aplicada

 

240

120

 

900

600

USP

420

420

840

É necessário propor com urgência um novo currículo mínimo. Durante teleconferência realizada pela CAPES para todo o território nacional, em 05 de novembro de 1996, o Prof. Luiz Bevilaqua concordou com um comentário, feito pelo representante do Espírito Santo, de que os currículos dos cursos da graduação estão ultrapassados e sugeriu que a comunidade acadêmica revisse esses currículos. Vejo este encontro sobre Política de Ensino de Línguas Estrangeiras como uma oportunidade única para a formulação de uma proposta de novo currículo padrão.

Minha expectativa é de que consigamos, em nossas discussões, elaborar uma proposta de currículo mínimo para ser encaminhada ao MEC para apreciação da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação. Nas discussões, devemos levar em conta alguns fatores. Dentre eles, destaco:

Currículos rígidos: o currículo deve apresentar um número maior de optativas para atender a necessidades específicas e para promover os aprofundamentos. Além disso deve permitir que alunos proficientes na língua estrangeira sejam dispensados de cursar o que já dominam, evitando assim turmas heterogêneas e possibilitando àqueles que já dominam o idioma completarem o curso em menos tempo.

Evasão: os cursos de Letras em todo o país se caracterizam por pouca demanda e muita evasão. A evasão tem sido tratada como conseqüência da pouca qualidade dos cursos, o que no meu entender, é um julgamento apressado e injusto. Como conseqüência da evasão, os cursos de Letras das instituições públicas sofrem com a distribuição de verbas e os das instituições particulares são fechados. É necessário que se faça um estudo cuidadoso sobre o problema não só para detectar as causas reais da evasão, mas também para propor soluções.

Ciclos básicos: devemos perguntar se a experiência deu certo e verificar o número de universidades que ainda mantêm os ciclos básicos. Devemos ainda perguntar se eles existem em função da formação do futuro professor/bacharel ou como mecanismo para cortar custos ou para atender a corporativismos.

Formação Pedagógica: é necessário que se repense a formacao pedagógica que abrange um mínimo de 1/8 do currículo mínimo. A Prática de Ensino e o estágio supervisionado têm sido objeto de disputa entre os departamentos de Letras e de Educação, e os alunos demonstram insatisfação com os cursos pedagógicos. É necessário perguntar se os programas das disciplinas ofertadas atendem aos objetivos da formação profissional e se acompanham o desenvolvimento da tecnologia educacional. Vejo, por exemplo, a necessidade de se inserir uma disciplina intitulada "informática e educação" nos cursos de licenciatura.

Avaliação: é possível medir a aprendizagem de uma língua estrangeira ao final de cada 4 meses com duas aulas semanais? Os sistema de avaliação vigente nas instituições públicas e particulares atende à realidade da aprendizagem de línguas?

Iniciação Científica: O professor hoje deve ser também um pesquisador e é importante que os graduandos sejam iniciados na pesquisa. No entanto, são poucas as bolsas financiadas pelas agências de fomento. O que podemos fazer para levar a pesquisa até a graduação e tirá-la da torre de marfim da pós-graduação?

Ausência de Lingüística Aplicada nos currículos: a pesquisa em Lingüística Aplicada vem se destacando nos cursos de pós-graduação, mas ainda não conseguiu um estatuto de disciplina na graduação. Seria o caso de se substituir a disciplina Prática de Ensino pela Lingüística Aplicada?

Distância entre a graduação e a pós-graduação: durante a teleconferência já mencionada, o Prof. Abílio Baeta Neves, presidente da CAPES, ressaltou a importância da interação entre a pós-graduação e a graduação e sugeriu que os Programas de Pós-Graduação criassem oportunidades de docência na graduação. Ressaltou que não estava sugerindo estágio de docência, mas lembrava aos cursos que eles poderiam criar programas para experiências docentes. Precisamos criar projetos que propiciem essa integração.

Laboratórios ultrapassados: mudar o conceito de laboratório, que deve ser um lugar para interagir e não para isolar. O laboratório hoje deve ser equipado com computadores, software e CD-ROMs que permitam a interação. Devemos ter cuidado com os materiais não interativos, pois eles apenas sofisticam o velho.

Outros fatores poderão ser levantados em nossos debates, mas o importante é ter sempre como fio condutor uma visão pedagógica em consonância com o presente que já delineia as mudanças de um futuro muito próximo. Ao pensar em um novo currículo, temos que imaginar um aluno mais autônomo, mais responsável pela sua aprendizagem e, portanto, capaz de responder a desafios.

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