Nome: Dilys Karen Rees
Escolaridade: Doutora em Estudos Lingüísticos  
Narrativa coletada por Francisco Figueiredo

Até quatro anos de idade, eu falava inglês em casa e português com as outras pessoas fora de casa, pois eu morava em Cabinda, Angola. Nós, então, mudamos para o Zaire e eu esqueci o português e aprendi o kikongo. Eu lembro de alguns cabindenses indo nos visitar no Zaire e falando comigo em português e eu não entendi uma palavra. Aos oito anos de idade, saímos da África e eu logo me esqueci do kikongo. Aos nove anos de idade, viemos para o Brasil.

Chegamos em agosto de 1964 e meus pais me colocaram no Instituto Presbiteriano de Educação, na terceira série. Eu não falava uma palavra de português. Fui colocada na turma de uma professora muito ruim – a Dona Matilde. (Na época professoras eram dona, não tia). Ela gostava de falar comigo em português e quando eu não entendia, de fazer piadas às minhas custas e colocar a turma para rir de mim. Eu detestava a escola e jurava que um dia ia me vingar daquela professora. Tinha uma menina negra, filha de carroceiro que estudava na minha série como bolsista. Ela tinha sido alvo da professora antes da minha chegada. Com a minha presença, a menina pôde ficar mais em paz. Pensei, “Bom, pelo menos isto. Alguém está beneficiando disto tudo”.

Essa situação não durou muito porque fui aprendendo rapidamente a sobreviver em português. (No final do ano, já estava lendo, escrevendo e falando português). A primeira coisa que aprendi foi ler, ou pelo menos decodificar os sons das palavras, porque tínhamos que ficar em pé e ler dos nossos livros de história, geografia, etc. Lembro que lia sem entender quase nada. Eram sons estranhos que saiam da minha boca. Podia ler em voz alta, rapidamente, mas eram só sons, não eram palavras com significado.

Aprendi a cantar também, nos cultinhos que iniciavam o horário escolar. Só fui entender um dos corinhos – “Do pão do céu me nutrirei, da fonte eterna beberei. Quem beber nos diz Jesus, jamais de sede sofrerá” anos depois. Na verdade, eu só imitava os sons que ouvia a minha volta. Quando eu entendi o corinho aos 12 ou 13 anos de idade foi como se uma luz ligasse e lembro que pensei “Ora, era isto que eu estava cantando?!”. 

Lembro que passei a entender o que as pessoas diziam antes de poder falar. Isso era muito desconcertante, porque às vezes eu abria a boca para retrucar e só saía inglês. Eu entendia o insulto, mas não conseguia devolvê-lo. Essa fase foi muito chata.  

Escrever levou mais tempo, mas não me lembro de ter sofrido muito por causa disso. Logo fui me tornando a melhor aluna da sala. Foi a minha vingança. Eu era melhor, até em análise sintática da língua portuguesa, de todas aquelas pessoas que tinham rido de mim. Quando me pediam cola, não dava e falava porque, “Quando eu era novata e não sabia português, vocês judiaram de mim. Agora, não faço nada por vocês”.

A diretora da escola ficou sabendo de como eu e meu irmão éramos alvos das chacotas e maldades de professores e alunos da escola. Em um dos cultinhos, ela deu uma bronca, dizendo que todos deviam ter vergonha. Em vez de serem hospitaleiros estavam sendo ignorantes. Ela, então, apontou o fato que eu era a melhor aluna da turma. Ela falou que ia expulsar a próxima pessoa a fazer qualquer coisa contra nós. Depois disso, as coisas ficaram mais fáceis.

Em casa, falávamos inglês, mas como eu gostava de ler, minha mãe foi logo comprando livros em português para mim. Acho que li  todos os livros de Monteiro Lobato. Eu era fã. Minha mãe também comprava gibis para nós, para ajudar a melhorar o português.        

E foi assim que fui adquirindo o português.

O meu próximo passo, em relação ao português, foi quando eu fiz o Mestrado. Creio que tinha muito orgulho do português e da minha habilidade de falar quase sem sotaque. Diferentemente do meu irmão, eu não gostava de errar ao falar. Por esta razão, ao fazer o Mestrado e descobrir que não dominava bem o registro acadêmico, eu levei um grande choque. Era como se tivesse que aprender, novamente, o português - passar por tudo de novo.  Graças a Deus, eu tive uma excelente orientadora, que não somente lia tudo que eu escrevia, mas corrigia tudo e me explicava os erros – quando eu usava anglicismos ou português coloquial etc.-  e me fazia reescrever. .

O meu uso da língua portuguesa sempre foi muito ligada a minha identidade. O “bom português” (definido como aquele que se assemelhava ao português nativo) era uma defesa contra ser alvo de critica ou chacota.  Por isto, o Mestrado foi difícil, em um nível pessoal, porque a minha defesa, do uso do “bom português” se foi. (Os meus maiores erros  eram anglicismos). Quando eu passei a entender essa relação, eu aceitei o meu português do jeito que era. Eu sou uma mistura, sou bicultural, não sou monolíngüe, portanto meu português vai ser diferente, pois reflete quem eu sou, uma canadense-brasileira. 

O meu estudo de francês foi bastante diferente. Cheguei ao Canadá com 14 anos de idade e entrei no “Grade 9” em um “High School”.  Era uma escola pública experimental, e assim para cada disciplina havia 3 níveis, conduzidos em 3 salas de aula diferente, com professores diferentes. Eu quis entrar no nível mais fraco (nível 3) do francês, mas o diretor da escola argumentou que eu já sabia português, que era uma língua latina e, então, com um pouco de esforço, eu poderia aprender francês no nível 2. No primeiro dia de aula, levei um susto muito grande. Não entendi nada. Fui correndo à biblioteca pública e achei um curso de francês com discos. Todas as noites eu ouvia aqueles discos tentando entender os sons estranhos e tentando repeti-los. Aos poucos, fui me familiarizando com os sons da língua francesa. 

Continuei a estudar francês na universidade. Era um curso de gramática-tradução. Estudávamos todos os pormenores da gramática da língua francesa e fazíamos traduções de textos literários. Também, estudávamos literatura em língua francesa e escrevíamos monografias em francês. Estudávamos a fonética do francês e praticávamos a pronúncia no laboratório. Lembro quando o professor me disse que minha pronúncia era muito boa. Fiquei muito feliz, mas ao mesmo tempo, chateada porque não consegui expressar como eu me sentia em francês. Esse era o grande problema do curso. Sabíamos ler, escrever, traduzir, pronunciar sons  e tudo sobre gramática, mas nada de falar.

Lembro que eu trabalhava muito com o meu francês. Tinha listas de vocabulário que decorava, tentava falar um pouco cada dia, e tentava ouvir francês também, em fitas, rádio etc. Mas, me sentia muito frustrada por não saber falar com desenvoltura.

Agora, vem os meus preconceitos, mas sempre achava os franceses muito impacientes ao ouvir alguém falar em francês imperfeito. Ficavam com expressões de tédio. Eu pensava, “Quanto inglês macarrônico a gente ouve e aceita. Por que não podem ter um pouquinho de paciência?”.

Hoje, já esqueci grande parte do meu francês. Ainda consigo ler bastante e falar certas frases com uma pronúncia muito boa (graças a todas aquelas aulas de pronúncia no laboratório). Para não perder tudo, eu faço assinatura de uma revista feminina canadense –Châtelaine – que é em francês. É uma leitura descontraída e me ajuda a não esquecer todo o meu francês.       

Também estudei alemão no “High School” e depois, por dois anos, na universidade. O curso na universidade (não era em Centro de Línguas, era parte das disciplinas da graduação) era muito pesado e antiquado. Basicamente era leitura de textos literários alemães e, a partir dos textos, um estudo gramatical. Não tinha pré-leitura, com preparação de vocabulário, nada. Para ler, usávamos o dicionário constantemente, porque simplesmente não tínhamos o vocabulário. Era muito difícil e bastante chato. Lembro  quando nós, alunos,  deciframos um conto, só para descobrir que a ação que não estávamos entendendo era quando o personagem principal tirou as obturações de ouro da boca da mãe recém falecida, para vende-los e, com o dinheiro, fazer uma festa. Achamos horrível!

Também, alemão parecia ser uma língua difícil demais para mim. O dativo, o nominativo etc. e a necessidade de mudar as terminações de tudo para se expressar corretamente. Cheguei a conclusão que eu não estava conseguindo aprender a língua, em grande parte, por causa da metodologia e eu, sozinha, não conseguia penetrar nas complexidades dela. Realmente me esforcei, mas depois de dois anos, decidi desistir. O que é interessante é que nada ficou do alemão que estudei. Hoje, é como se nunca estive em uma sala de aula de alemão. Não me lembro de nada.