Como
professora, sinto-me “gramatiqueira” por não ter domínio suficiente da fala.
ABSTRACT
Language learning histories as related by teachers
from public schools reveal that they had no chances to develop oral skills. Similar
complaints are registered by different groups of learners. This text discusses
the factors which contribute to perpetuate such perverse situation in the light
of the complexity of language acquisition.
PALAVRAS-CHAVE: narrativas
de aprendizagem; complexidade; formação de professor.
Introdução
A
resolução nº 2 do CNE de 19/02/2002 estabelece que a carga horária das
licenciaturas é de 2800 horas, englobando 400 horas de prática; 400 horas de
estágio curricular supervisionado; 1800 horas de aulas para os conteúdos
curriculares de natureza científico-cultural; e 200 horas para outras formas de
atividades acadêmico-científico-culturais. No entanto, a resolução é omissa no
que diz respeito aos projetos pedagógicos que oferecem licenciaturas duplas, ou
até triplas.
O grande problema enfrentado pelos cursos de licenciatura em língua
estrangeira (LE) é o de que esses cursos estão, na maioria dos casos, atrelados
às licenciaturas em língua portuguesa cujos conteúdos ocupam a maior parte da
grade curricular. Como a legislação permite que as licenciaturas tenham a
duração mínima de três anos, os empresários da educação alegam questões de
mercado e de concorrência para empacotar a formação de professores em duas
línguas, dentro de um período de três anos, sem nenhuma preocupação com o
desenvolvimento da competência comunicativa do professor, para mencionar apenas
uma das competências esperadas de um bom professor.
Após ter visitado muitos cursos em funcionamento e também ter avaliado
muitas propostas de implantação de curso novos, posso afirmar, com segurança,
que os espaços reservados nos projetos pedagógicos para a formação do professor
de língua estrangeira bem como os conteúdos selecionados são insuficientes para
uma boa formação do professor de inglês.
Minha experiência, semelhante a de outros avaliadores, é resumida em
Dutra e Mello (2004, p.37) que ressaltam a cumplicidade dos cursos de Letras na
perpetuação do problema.
Muitos desses cursos são
ministrados em três anos e recebem alunos de escolas de ensino básico que
também não investiram em um ensino de LE de qualidade. A maioria dos projetos
pedagógicos que passam pela SESu, seja para autorização ou reconhecimento,
devota ao ensino de inglês ou espanhol, cerca de 360 horas, ou no máximo 480
horas de ensino de língua estrangeira como acréscimo de
No que concerne à legislação atual sobre a formação de professor, a
Resolução CNE/CP 1, de 18 de fevereiro de 2002 estabelece que:
Art. 4º Na
concepção, no desenvolvimento e na abrangência dos cursos de formação é
fundamental que se busque:
I – considerar
o conjunto das competências necessárias à atuação profissional;
II – Adotar
essas competências como norteadoras, tanto da proposta pedagógica, em especial
do currículo e da avaliação, quanto da organização institucional e da gestão da
escola de formação.
A pergunta chave aqui é, portanto, “Que competências são necessárias
para a formação profissional e como elas devem ser desenvolvidas na proposta
pedagógica?”.
Almeida Filho (2001, p. 20) advoga que um professor comunicativo deve
possuir as seguintes competências:
Competência implícita (que se
desenvolve em nós a partir das experiências de aprender língua(s) que vivemos),
competência teórica (corpo de conhecimentos que podemos enunciar), competência
aplicada (o ensino que podemos realizar orientado e explicado pela competência
teórica que temos), competência lingüístico-comunicativa (a língua que se sabe
e se pode usar) e a competência profissional (nosso reconhecimento do valor de
ser professor de língua, nossa responsabilidade pelo avanço profissional
próprio e dos outros e as ações correspondentes)
Concordo que todas essas competências são importantes, no entanto, não
podemos desconhecer que sem a competência lingüístico-comunicativa o professor
fica sem seu principal instrumento de trabalho, pois é essa a competência que
ele tem a expectativa de adquirir para depois desenvolver em seus alunos e é
essa mesma competência que os alunos esperam atingir, conforme dados de nosso
corpus de narrativas do projeto AMFALE (Aprendendo com Memórias de Falantes e
Aprendizes de Línguas Estrangeiras).
O artigo seguinte continua a explicitar o que é fundamental em um
projeto de formação de professor. Vejamos:
Art. 5º O projeto pedagógico
de cada curso, considerado o artigo anterior, levará em conta que:
I – a formação
deverá garantir a constituição das competências objetivadas na educação básica;
II – o desenvolvimento
das competências exige que a formação contemple diferentes âmbitos do
conhecimento profissional do professor;
III – a
seleção dos conteúdos das áreas de ensino da educação básica deve orientar-se
por ir além daquilo que os professores irão ensinar nas diferentes etapas de
escolaridade;
IV – os
conteúdos a serem ensinados na escolaridade básica devem ser tratados de modo
articulado com suas didáticas específicas
Que competências são objetivadas na educação básica e que conteúdos são
ensinados aos nossos jovens? Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino
fundamental sugerem que o foco prioritário deve ser a leitura, o que considero
lastimável, mas nem isso, na prática, se concretiza A realidade exposta nas
narrativas de alunos e professores, como veremos mais à frente, evidencia que
os conteúdos continuam voltados para um ensino repetitivo e não contextualizado
da gramática pela gramática e, às vezes, da tradução. Não se ensinam nem as
habilidades orais e nem as escritas (leitura e produção de texto)
Os professores de língua inglesa parecem estar abandonados tanto em sua
formação inicial quanto em sua atuação profissional nas diversas regiões do
país. A esse respeito, diz Celani (2003, p.20),
Mesmo com a restauração das
línguas estrangeiras em seu papel formador no currículo da escola fundamental,
garantido agora pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a situação
parece não ter melhorado, visto que as causas têm de ser buscadas em níveis
mais profundos de formação inicial de professores de línguas na Universidade.
Embora a situação de carência se caracterize em todos os tipos de escola, ela
parece ser particularmente aguda na escola pública. O ensino de língua
estrangeira, particularmente do inglês, encontra-se totalmente à deriva, com
professores, pais e alunos muitas vezes se perguntando a mesma coisa. O que
estamos fazendo aqui? Para que servirá esta tentativa frustrada de se
ensinar/aprender outra língua?
Narrativas de
aprendizagem: ouvindo a voz dos professores
As
narrativas de aprendizagem utilizadas neste trabalho foram coletadas pelo
projeto AMFALE que tem colaboradores nacionais e internacionais. Um dos
colaboradores do projeto é Tim Murphey que utiliza as narrativas com o objetivo
de dar exemplo aos alunos novatos e os ajudar a melhorar sua aprendizagem. Ele
acredita, também, que os professores, ao lerem as histórias, podem aprender
como ensinar de forma mais apropriada. Murphey (1999) afirma que:
A história de aprendizagem de
cada pessoa é singularmente construída por eventos, desejos, decisões,
estratégias, crenças, ações, e percepções individuais. A escrita de nossas
histórias nos permite refletir sobre essas forças e nos torna conscientes de
nossa parte na construção de nossa história. Essa consciência meta-cognitiva
nos capacita a ter mais controle sobre o futuro de nossa aprendizagem. (minha
tradução)
Nosso propósito é o de usar as narrativas como
estimuladoras de reflexão sobre a formação de professores de LE. Minha
esperança é a de que juntos possamos pensar em ações para interferir,
positivamente, no futuro da formação de professores ao nos inteirarmos sobre os
eventos, os desejos e as decepções de professores, na voz dos próprios
narradores.
Os dados aqui discutidos foram
coletados em 61 narrativas de professores da rede pública, participantes do
projeto EDUCONLE (Educação Continuada para professores de Línguas Estrangeiras),
coordenado por Deise Prina e
As narrativas
Segundo Todorov (1979, p. 138),
[U]ma narrativa ideal começa por uma situação estável
que uma força qualquer vem perturbar. Disso resulta um estado de desequilíbrio;
pela ação de uma força dirigida em sentido inverso, o equilíbrio é
restabelecido; o segundo equilíbrio é semelhante ao primeiro, mas os dois nunca
são idênticos.
As narrativas de aprendizagem, como qualquer outra
narrativa, trazem à tona os afetos e os ressentimentos associados,
respectivamente, a momentos agradáveis e lembranças desagradáveis que agiram
como forças perturbadoras que contribuíram para a desestabilização da situação
estável.
Ao analisar os textos produzidos por esses
professores, dividi os depoimentos em três grupos: em memórias negativas do passado,
memórias positivas do passado e memórias recentes.
Nas memórias
negativas, os professores registram como foi a sua aprendizagem no ensino
básico. O que mais encontrei nos dados foi a decepção bem representada pelas
narrativas (1), (2), (3) e (4).
(1) Meu primeiro contato com a língua inglesa foi na 6ª
série do ensino fundamental. Estava super ansiosa para aprender algo em inglês,
e aprendi: aprendi gramática, tradução, algumas normas gramaticais, etc. Mas o
que mais me interessava não foi bem trabalhado: a conversação (pronúncia,
entonação) e trabalho com textos. Foi assim até o 3º ano de magistério.
(2) (...) na escola fundamental, a única coisa que aprendi
foi o ‘verbo to be’.
(3) A aprendizagem deixou a desejar. Antes de começar a
ter aulas de inglês, eu acreditava que se aprendia a falar inglês no ensino
regular, mas, com o passar dos anos, percebi que isso não acontecia. Hoje sei
que a culpa não era dos professores, mas eles também não tinham muito a
oferecer.
(4) Minha aprendizagem de língua estrangeira na escola
regular pode ser considerada como superficial e fragmentada. Até a oitava série
estudei em uma escola particular, o que não me livrou do despreparo do
professor. As aulas giravam em torno de gramática, principalmente dos verbos.
No ensino médio, já na escola pública, as aulas eram em cima da gramática.
Havia muita troca de professores, mesmo durante o ano, o que não permitia um
seqüenciamento e aprofundamento dos estudos
Queixas como essas se reproduzem ao longo do corpus.
Os professores reclamam que a escola regular era fraca, que as aulas eram
ministradas em português; que eram chatas e cansativas; que alguns professores
não se relacionavam bem com a turma; que o conteúdo se restringia à gramática,
ao vocabulário e verbo “to be” e que não havia conversação, “listening” ou
preocupação com a pronúncia. Dizem ainda que não tiveram contato com material
autêntico e uma professora afirmou: “Ficávamos sempre nas primeiras lições”.
Mesmo quando se referem à universidade, alguns reclamam que as aulas eram em português
e que não havia aula de conversação. Uma informante afirma “Não tive
oportunidade de ter professores falantes do idioma em sala de aula” e outra
lamenta:
(5) Voltei a ter contato com a língua, na condição de
aluna, quando optei por fazer o Curso de Letras (Port. / Inglês) na expectativa
de aprender conversação, vocabulário, ter aulas em laboratórios de línguas,
enfim, fazer com que eu me sentisse segura para me comunicar e entender a
língua. No final do curso, vi que o que eu
aprendi não acrescentou nada além do que eu já sabia.
Há, ainda, relatos de desinteresse pela aprendizagem
da língua e por ser professor de inglês. Alguns foram obrigados a cursar
licenciatura dupla por falta de opção.A baixa auto-estima também aparece nas
narrativas. Vejam o depoimento registrado em (6):
(6) Eu como aprendiz de língua inglesa tive muitas
dificuldades. No ensino fundamental odiava as aulas. Não me saía bem em provas,
trabalhos, etc.; achava muito difícil e muito chato, sempre me perguntava:
“para que saber inglês se não sei nem o português?’
Até então terminei o ensino fundamental e fui para o
1º ano do 2º grau, também não gostei, tive um professor que dava prova oral,
pergunta e resposta, tinha que responder rápido caso contrário perderia os
pontos, no entanto me esforcei e decorei.
Como
podemos perceber, a narradora acredita no preconceito imposto às classes menos
privilegiadas de que elas não sabem português e não entendia o porquê de estar
aprendendo uma língua estrangeira. Foi submetida a experiências de aprendizagem
traumatizantes, mas acabou optando por ser professora de língua inglesa.
A memória da experiência de aprender
a língua inglesa como algo frustrante não é uma característica apenas desse
grupo de professoras. No corpus de cerca de 300 narrativas do projeto AMFALE,
coletadas até 2005, outros aprendizes relatam frustrações semelhantes. As
histórias mudam quando os atores têm situação econômica mais privilegiada. A
mesma frustração está registrado em uma das narrativas analisada por Telles
(2004, p.70):
(7) (...) a cada final de aula, meu entusiasmo era abatido
pela displicência do conhecimento em língua inglesa que me era oferecido. Eu
queria falar inglês, entender inglês, mas o que “aprendia” era uma lista de
verbos e vocabulário. Algumas regras gramaticais que me permitiam construir
algumas frases soltas.
Lieff (2003, p. 109), também,
registra um sentimento de frustração na fala da maioria de seus 33 informantes
quanto ao ensino da fonologia do inglês; Diz ela; “Há um sentimento de
frustração e, às vezes, de revolta quando professores referem-se “ao direito a um conhecimento que lhes foi
negado” e dizem que, agora, têm que “correr
atrás do prejuízo”“.
Alunos de um curso de Letras,
pesquisados por Barcelos et al. (2004) também se referem à ausência da competência
comunicativa necessária para enfrentar o mercado de trabalho.
O ensino baseado em métodos
tradicionais que ignoram a produção de sentido não é privilégio do Brasil.
Situação semelhante é retratada por Gu (2003) quando dá voz a um especialista
britânico que, ao observar que o inglês, em alguns lugares da China, era
ensinado através de memorização de vocabulário e leitura, afirmou que aquilo
lhe trazia lembranças de suas aulas de Latim, pois o Inglês estava sendo
ensinado como uma língua morta.
As memórias
positivas giram em torno de momentos
de experiência com as habilidades orais ou com a oportunidade de ver a língua
em uso. Uma narradora relata: “Tive uma professora que estimulava a
aprendizagem nas suas aulas em forma de jogos e provas orais; mas foi só um
ano. No ano seguinte voltou o meu tormento. Foi assim até o final do 2º grau”.
São raras as narrativas com memórias positivas como as
encontradas em (8), (9) e (10).
(8) Meu primeiro contato com a língua inglesa foi na 5ª
série do ensino fundamental, eu ficava vibrando para assistir as aulas e tinha
muita expectativa de que iria falar inglês e contava para a minha família e
amigos. Nos anos seguintes foi da mesma forma, sempre dedicada, ajudava os
colegas e o que me era cobrado dava conta. Quando cursei Letras eu era uma boa
aluna, muitas das minhas colegas desistiram do inglês porque não gostavam e eu
continuava a vibrar com a matéria e queria sempre aprender mais. Eu não gostava
de Português, mas estudava para passar de ano.
(9) O meu contato com a primeira língua estrangeira, no
caso o inglês, aconteceu na quinta série do ensino fundamental no Colégio
Tiradentes da PMMG. Eu me lembro de ter gostado bastante da novidade: eu iria
aprender a me comunicar num outro idioma! A professora, “Dona Fátima”, era
jovem e simpática e nos cativou com seu jeito delicado. Realmente, estudar
inglês a partir da quinta série, foi uma experiência muito boa para mim
(10)Comecei a estudar inglês antes de ter esta disciplina
na escola regular. Estudei por 5 anos em um curso livre de inglês e desde o
início ficava encantada com a maneira que me era apresentada a aprendizagem de
uma segunda língua: através de experiências cotidianas e de uma forma natural.
Um momento marcante para duas informantes foi ter um
professor que falava inglês e outra lembra que a professora levou um inglês na
sala de aula. Outros mencionaram as aulas em laboratório de fonética, as aulas
de listening, e a oportunidade de uso
da língua em atividades de teatro, música e diálogos.
Os professores que procuram o
projeto EDUCONLE têm a expectativa de trabalhar com metodologia, mas é evidente
o seu desejo por desenvolver a compreensão oral e a conversação. O mesmo
acontece no projeto coordenado por Celani, como relata Ribeiro (2003, p 153) ao
transcrever depoimentos de participantes do projeto que gostariam de ser
fluentes, de ter desenvoltura oral.
Quanto às memórias recentes, há um lamento de que os alunos de escola pública
não sabem a importância do inglês na vida deles e menção aos sentimentos
negativos que a disciplina e, por conseqüência o professor despertam nos
aprendizes. Um professor chegou a afirmar “eles nos odeiam”. No entanto, há
também relatos de professores que conseguiram reverter o ódio em amor e que se
sentem vitoriosos por terem auxiliado seus alunos a gostarem do idioma. Outros
demonstram muito fascínio pela língua e se empenham em transmitir esse
sentimento: “tento passar para os alunos
esse encantamento e fazer ver a possibilidade do conhecimento e diferenças
culturais”.
O professor encontra pouco apoio das
Instituições e do governo. Veja trecho da narrativa (11):
(11)Quanto a minha vida profissional como professora,
tenho pouca experiência. Comecei a lecionar o inglês este ano e estou sentindo
muitas dificuldades devido à falta de estrutura das escolas públicas, não nos
oferecem livros didáticos, as salas são super lotadas, os alunos também não
demonstram interesse em aprender a língua, enfim uma série de fatores que às
vezes nos levam ao desânimo. Mas estou procurando aperfeiçoar-me, encontrar
soluções para estes empecilhos, pois não devemos deixar vencer pelos obstáculos
e sim superá-los.
Essa narrativa fornece o gancho para discutirmos a
complexidade da aprendizagem de LE.
A aprendizagem de línguas como um
sistema complexo
A narradora em (11) têm consciência da multiplicidade
de fatores que compõem o sistema complexo da aprendizagem de línguas: o
contexto educacional, o contexto econômico e as diferenças individuais de cada
aprendiz. É importante perceber na fala da narradora em (11) a necessidade de
encontrar soluções para problemas que fogem ao seu alcance – a situação
econômica e a política educacional que sonega material didático para
professores de línguas estrangeiras.
Nas demais narrativas, também encontramos referências
a outros fatores que compõem a complexidade da aprendizagem de LE: o professor
(seu grau de (in)competência, (ir)responsabilidade, simpatia, etc.); a
abordagem e as habilidades privilegiadas; as crenças dos aprendizes; interesses
e necessidades; relevância do conteúdo; e afiliação ao idioma.
Processos
biológicos, cognitivos, afetivos; sociais, culturais e históricos se
inter-relacionam no processo de aprendizagem e se influenciam. O processo de
aprendizagem passa por períodos de estabilidade e momentos de turbulência. Alterações
em qualquer um de seus subsistemas poderão influenciar os outros elementos da
rede. Após o caos, entendido como momento ótimo de aprendizagem, nova ordem se
estabelece, mas nunca como um produto final acabado, estático, até porque a língua
também é um processo em constante movimento.
A aprendizagem de uma LE é um processo que sofre
mediações diversas, de pessoas e de artefatos culturais, e que ocorre em
contextos diversificados e de forma desigual para cada indivíduo. Como cada ser
humano é diferente do outro, os processos semióticos, as conexões efetuadas,
serão também diferentes.
Uma característica, especialmente relevante, quando se
trata de aprendizagem de LE na realidade brasileira, é a capacidade de
adaptação a um contexto muito pouco favorável na maior parte do território
nacional, seja pela ausência de professores bem preparados, seja pela ausência
de oportunidades de contato com a LE.
Em nossas narrativas é possível
perceber que faltaram muitas das condições necessárias para movimentar o
processo de aprendizagem. Faltaram professores bem preparados, input significativo, material didático,
oportunidades de uso. A língua foi apresentada para a maioria dos narradores
como algo fragmentado e desprovido de sentido.
Bruner (1997, p. 50-51), citando Burke (sem referência
bibliográfica no texto) lembra que as histórias bem formadas são compostas de
cinco elementos: ator, ação, meta, cenário, instrumento e um problema que
consiste em um desequilíbrio em qualquer um dos elementos.
Na maioria de nossas histórias, temos um narrador, falando de um ator, ele mesmo quando aluno do ensino
básico e do curso de graduação, na ação mal
sucedida de aprender a língua inglesa, geralmente no cenário da escola publica no ensino básico e da faculdade particular
na graduação. A meta é falar a
língua, mas há um desequilíbrio no instrumento,
pois ele se constitui de estruturas sintáticas descontextualizadas.
Por que os professores contaram
essas histórias e não outras? Certamente, não foi por falta de outras
lembranças, mas porque estas foram as marcas que ficaram como impressões
digitais e que conferiram a eles a identidade de professores que não alcançaram
a competência comunicativa necessária para o exercício profissional.
Quando cada protagonista retoma o presente e se funde
com o narrador, resta o lamento e alguns indícios que apontam para o futuro.
Eles empreendem novas ações para tentar fechar a história, entre elas a
inserção no projeto EDUCONLE. O desejo é “falar fluentemente”, como podemos ver
na narrativa (12).
(12)Bem, como aprendiz de língua inglesa, eu fui sempre
uma aluna aplicada, pois eu adorava inglês. Mas eu não me realizei totalmente,
porque eu não consigo falar fluentemente a língua. Às vezes eu tento entender
os filmes sem legenda e as músicas e eu tenho alguma frustração, pois eu já
estudei bastante, estou sempre lendo livros novos e parece que eu não vou
atingir o meu objetivo: falar fluentemente o inglês.
Escolhi
essa narrativa para representar o desejo latente na maioria das histórias dos
professores do projeto EDUCONLE. Muitos professores, em situação semelhante,
procuram os cursos de especialização em língua inglesa. Esses cursos, que
proliferam no nosso país, tratam geralmente da competência teórica e aplicada,
pois possuem um forte foco em lingüística aplicada. No entanto, a maioria das
pessoas que busca a pós-graduação lato
sensu, está, na verdade, almejando adquirir sua competência comunicativa.
Os projetos de formação de professor que trabalham as
competências teórica e aplicada, geralmente, investem pouco na competência
lingüística e as aulas são, freqüentemente, ministradas
Em São Paulo, o projeto A Formação Contínua do Professor de Inglês: Um contexto para a
reconstrução da Prática, coordenado por Celani, tem o apoio da Cultura
Os livros voltados para a formação de professor,
naturalmente, tomam como pressuposto que os professores já possuem a
competência lingüístico-comunicativa. Esses livros, tanto os nacionais como os
internacionais, trazem temas tais como teorias de ensino, teorias de
aprendizagem, observação de sala de aula, prática reflexiva, supervisão e
gerenciamento de sala de aula, auto-avaliação do professor, planejamento,
técnicas, dinâmicas de grupo, metodologia, currículo, desenvolvimento de
material, pesquisa em sala de aula, crenças de alunos e de professores,
características de aprendizes, incluindo estilos e estratégias de aprendizagem,
desenvolvimento de habilidades, correção de erros, interação na sala de aula,
avaliação. Mas não adianta avançar nessa área sem a ferramenta principal que é
a competência comunicativa.
Há pouco material voltado para a
aprendizagem autônoma da língua inglesa. Um deles é Learning
do Learn English de Ellis e Sinclair (1989) e outro é o Wordflo: your
personal English Organizer das mesmas autoras, Ellis, Sinclair e Acklam (1996).
Na UFMG, acabamos de editar “Práticas de ensino e aprendizagem de inglês com
foco na autonomia” (PAIVA, 2005) com o objetivo de ajudar o professor e o
licenciando a continuar seu processo de aprendizagem da língua de forma
autônoma e, ao mesmo tempo, a refletir sobre os processos de ensino e
aprendizagem que propiciem o uso da língua estrangeira de forma significativa.
Estamos tentando seguir o conselho de Pennycook (2001:
p. 161) que afirma que a pesquisa na perspectiva da lingüística aplicada
crítica deve “trabalhar com os interesses e desejos dos participantes, levar em
consideração as questões de poder no contexto estudado; e ter objetivos
transformadores”.
Nas narrativas dos professores do projeto AMFALE,
encontramos repetidamente manifesto o desejo dos narradores de buscar fluência
na língua que ensinam, pois, ao longo de suas histórias de aprendizes, foram
submetidos ao ensino de uma língua como se morta fosse, com foco exclusivo na
gramática e em exercícios que não proporcionavam a produção de sentido.
Em Paiva (2005, p.150-1) afirmo que:
Se, por um lado, podemos culpar o professor por não
dar ao aprendiz um ensino de qualidade, por outro, não podemos deixar de ver ambos
como vítimas das relações de poder. O professor mal formado é ele próprio
vítima de currículos inadequados1, vítima de sua situação econômica,
vítima de um contexto desfavorável que não lhe dá acesso a falantes ou a
tecnologias que possam compensar essa ausência de contato com uma comunidade de
prática em língua estrangeira. Sem o domínio de sua ferramenta básica, fica
difícil a qualquer pessoa exercer sua profissão com competência.
As histórias vão se repetindo, pois, assim como a professora de nossa
epígrafe, os professores que não têm a
competência comunicativa acabam não tendo outra saída senão serem
“gramatiqueiros”, mesmo sabendo que essa não é a melhor forma de se aprender
uma língua, afinal foram eles mesmos vítimas desse mesmo tipo de ensino. Se não
fizermos nada para alterar a história, não vamos ter nunca um ensino eficiente
de línguas estrangeiras no Brasil.
As histórias desses professores
ainda não estão completas e precisamos ajudá-los a sair da turbulência e
estabelecer uma nova ordem. Apesar
das condições adversas, esses 46 professores foram em busca de apoio de um
programa de Educação Continuada. Essas narrativas, tão marcadas pela ausência
de uma boa formação, nos levam a pensar em ações que possam interferir na
história da formação de professor de língua inglesa em nosso país.
Acredito que
as associações de professores precisam ter um papel mais político e tentar
interferir, por exemplo, na política de criação e de avaliação de cursos de
Letras. A primeira tarefa que temos pela
frente é nos fazer ouvir no MEC, tanto na Secretaria de Ensino Superior, órgão
responsável pela autorização de abertura de Cursos de Letras, quanto no
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, responsável pelas
avaliações das condições de oferta dos cursos em funcionamento, e no Conselho
Nacional de Educação que é o órgão que delibera sobre a política de ensino
educacional no país. Precisamos reivindicar que a aprovação e recredenciamento
de cursos de Letras tenham projetos específicos para a formação do professor de
língua estrangeira com a garantia de um número suficiente de horas para o
desenvolvimento da competência comunicativa do professor, além das outras
competências.
Devíamos seguir o exemplo de algumas áreas como o
Direito e a Medicina e criar nosso conselho profissional de forma a ter nossa
voz garantida na política de ensino da área.
Devemos exigir que o MEC e as secretarias estaduais
de educação invistam em projetos de educação continuada do professor de língua
inglesa e que forneçam material didático de qualidade aos alunos do ensino
fundamental e médio.
Finalmente, devemos lutar pela implementação efetiva
da Resolução CNE/CP 1, de 18 de
fevereiro de 2002, principalmente no que diz respeito à interação entre a
universidade e os professores em serviço. O § 2º do Art. 14. prevê “um sistema
de oferta de formação continuada, que propicie oportunidade de retorno
planejado e sistemático dos professores às agências formadoras”.
Se conseguirmos intervir na política educacional de forma a melhorar a
qualidade dos cursos e se esses cursos tiverem projetos de estágio inovador que
associem formação de professor em serviço e em processo de formação, estaremos
dando um passo importante para mudar as histórias dos futuros aprendizes e
professores de língua inglesa.
Notas
[1] As avaliações dos cursos de Letras (ver relatórios
SESu e INEP) deixam evidentes que os currículos de formação de professor de
língua estrangeira merecem pouca atenção por parte de quem os planeja. Minha
experiência como avaliadora me diz também que há muita disputa de poder entre
professores de língua materna e de estrangeira e que os primeiros, geralmente,
saem vencedores.
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TODOROV, I. As estruturas
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