O PEDIDO

 Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva

                         _ Eu nunca te neguei nada. Quando foi que você me pediu alguma coisa e ouviu não como resposta? A vida, que nem metrô de superfície, passou por mim enquanto eu atendia aos seus pedidos. Aos quatorze anos, você disse que terminava o namoro se eu cortasse os cabelos. Eu cuidava com carinho da cabeleira que chegava à altura da cintura. Cada fio representava um pouco do seu amor. Depois do casamento, sua mãe me disse que não ficava bem para uma mulher casada usar cabelos tão longos e, com seu consentimento, eles foram reduzidos à altura dos ombros. Todas as minhas amigas me diziam que eu ficava muito bem de cabelos presos, mas você não gostava e eu os deixava soltos. As unhas eu sempre pintei de rosa bem clarinho porque, como você dizia, vermelho é cor de puta. Você pedia e eu atendia. Nunca usei vestidos decotados, saias curtas, barriga de fora, biquíni, ou roupa agarrada ao corpo. Calça esporte, só em piqueniques ou quando íamos a alguma fazenda. Na cama, eu reconheço, nunca te agradei muito. No começo, eu fiquei meio entusiasmada, mas você não gostava que eu gemesse e nem que te pedisse nada. Você me pedia para ficar calada e eu fiquei. Calei o orgasmo que algumas vezes ameaçou sussurrar e me acomodei ao sexo à sua moda. Muitas vezes eu fingia que não estava acordada quando você chegava de madrugada e  encostava-se a mim. Sexo não era a minha especialidade. Quando a gente ficava muito tempo sem transar eu te procurava, pois me ensinaram que os homens não costumam ficar muito tempo sem sexo e eu não queria que você sentisse vontade de procurar mulher na rua. Nas festas eu evitava o riso; quando ria, era bem baixinho, pois você sempre detestou mulher que risse alto em lugares públicos. Piadas eu nunca contava, primeiro porque você dizia que eu não sabia contá-las, depois porque não ficavam bem na boca de uma mulher de respeito. Aprendi a te admirar e respeitar. Quando minhas opiniões eram diferentes das suas eu as guardava para mim. Lembra como você achava humilhante a mulher do Ladeira discordar dele em público? E ele parecia que nem ligava! Não me esqueço do dia em que eles estavam contando, no aniversário do Salvador, que tinham votado em candidatos diferentes para o governo do estado. Achamos aquilo ridículo, não foi? Afinal como podia viver bem um casal com posições tão diferentes? Nós não. Nós sempre fomos totalmente equilibrados. Eu nunca externei uma opinião diferente da sua. Mesmo dentro de casa, eu evitava discordar de você para não te contrariar. Afinal, era você quem sustentava a casa, quem trabalhava por todos nós e nada nos deixava faltar. Quando larguei meu emprego no banco para me casar, eu sabia que nada iria me faltar. Às vezes eu ficava triste quando você se recusava a me dar dinheiro para comprar um presente de aniversário para alguém de minha família, mas logo esquecia o incidente. Eu entendia que sua despesa em casa era grande com todos os filhos estudando em colégios católicos. Por falar em estudar, quando nossos filhos cresceram e eu me senti muito sozinha em casa, tive uma vontade enorme de estudar, mas você me convenceu  que não iria dar certo. Vinte e um anos sem pegar em um livro era tempo demais. Mesmo fazendo cursinho, você achava que eu não ia conseguir passar no vestibular e estaria então assinando atestado de burrice. Mas eu me sentia muito sozinha e insisti algumas vezes com você, mas não teve jeito. Você alegou que já  pagava faculdade para os três filhos e que não havia condições de pagar para mim também. Pensei em pedir a meu pai, mas minha mãe me disse que, se eu voltasse a estudar, podia parecer que nosso casamento não ia bem e que você, provavelmente,  ficaria muito contrariado. Ai, eu desisti de vez. A última coisa que eu queria era te magoar e atrapalhar nosso casamento. Na verdade, eu só parei de martelar aquele assunto quando percebi que sua dor no estômago tinha voltado. Você não sentia aquela dor desde o dia em que nossa filha mais velha te avisou que ia acampar com o namorado, hoje marido, naquele carnaval há  três anos atrás. A mulher do Ladeira me aconselhou a acabar com a solidão, saindo mais vezes de casa, indo ao cinema, ou ao teatro, pelo menos uma vez por semana. Eu nunca fui dessas mulheres avançadinhas que costumam ir à cinema e teatro sozinhas. E como que eu ia sair se você chegava sempre tão tarde, afundado em reuniões e jantares de negócio que não te deixavam nenhum tempo para mim? No fim de semana você tinha o futebol seguido da feijoada com a mesma turma do tempo de solteiro. Eu não me sentia no direito de implicar. Afinal aquela era sua única distração. No domingo, você sempre me pedia para preparar algum prato de sua preferência e eu o fazia com todo o prazer, pois você passava quase toda a semana comendo aquelas comidas mal feitas de restaurante em restaurante. O meu prazer era ver você almoçar e elogiar minha comida. Depois do almoço você dormia e à noite a gente ia sempre visitar sua mãe. Os anos foram passando e eu aqui atendendo aos seus pedidos, zelando pela nossa felicidade, pelos nossos filhos e agora os netos. Eu ficava toda orgulhosa quando você dizia: “Eu nunca deixei que ela trabalhasse fora porque não me perdoaria se algo ruim tivesse acontecido com os meus filhos.” E eu fiquei aqui, atendendo aos seus pedidos e cuidando das crianças, ajudando-as no dever de casa, levando-as à escola, ao dentista, ao médico, à natação, ao balé, ao judô, ao futebol, ao vôlei, às aulas de recuperação, às compras de enxoval...

                                   - Acho que você ainda não entendeu. Tudo...

                                   - Esse pedido eu não posso atender. Você não entende que este eu não posso te atender? Eu...

                                   - Tudo que eu estou te pedindo é a minha liberdade. Eu não posso perder esta chance de ser feliz. Ela é a mulher que vai me fazer feliz. Ela é uma mulher independente, esportista, tem idéias próprias e tem uma ótima presença em público.

                                   _ Mas...

                                   _ Ah! ela é uma profissional de sucesso, ganha bem, e, portanto, não vai me impedir de te dar uma boa pensão. Não vai te faltar nada. Eu te prometo. Você não pode querer que eu  te carregue nos ombros o resto de minha vida. Você precisa aprender a viver sozinha, a cuidar de sua vida e deixar de ser a minha sombra.

                                   _ Mas...

                                   _ Eu já  decidi.