PAIVA, V.L.M.O. O Novo Perfil dos Cursos de Licenciatura em Letras. In: TOMICH, et (Orgs.). A interculturalidade no ensino de inglês. Florianópolis: UFSC, 2005. p.345-363 (Advanced Research English Series)

 

O NOVO PERFIL DOS CURSOS DE LICENCIATURA EM LETRAS

Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva (FALE/UFMG)

 

Após apresentar um histórico sobre os currículos de Letras discuto o novo perfil dos cursos de Licenciatura em Letras, tendo como referências as diretrizes curriculares para os Cursos de Letras; a resolução sobre formação de professor; e  o formulário de Avaliação do Curso de Letras produzido pelo INEP, com a colaboração das Comissões de Especialistas do Provão e da SESu. Enfocarei os aspectos mais relevantes que levarão à modificação do perfil dos cursos existentes, distinguindo-os dos cursos de bacharelado

Histórico

           A primeira proposta de currículo mínimo para os cursos de Letras foi aprovada em 19 de outubro de 1962, pelo então Conselho Federal de Educação, a partir do parecer n º 283 de Valnir Chagas. Havia, até então, currículos densos, abrangendo conjuntos de línguas e o grupo das Línguas Neolatinas, por exemplo, incluia a aprendizagem de cinco línguas com suas respectivas literaturas o que, na prática, apresentava resultados duvidosos. O novo currículo previa apenas uma língua estrangeira na modalidade de licenciatura dupla, pois o formato de licenciatura única só era permitido para a língua portuguesa[1]. Dizia o texto legal:

Art. 1º . - O currículo mínimo dos cursos que habilitam à licenciatura em Letras compreende 8 (oito) matérias escolhidas na forma abaixo indicada, além das matérias pedagógicas fixadas em Resolução Especial:

1.    Língua Portuguesa

2.    Literatura Portuguesa

3.    Literatura Brasileira

4.    Língua Latina

5.    Lingüística

6.    8. Três matérias escolhidas dentre as seguintes

a)    Cultura Brasileira

b)   Teoria da Literatura

c)    Uma língua estrangeira moderna

d)   Literatura correspondente à língua escolhida na forma da letra anterior

e)    Literatura Latina

f)     Filologia Românica

g)    Língua Grega

h)    Literatura Grega

 A escolha dos itens c e g importa em obrigatoriedade das matérias constantes das letras d e h.

Como podemos ver, a língua estrangeira tinha o status de uma disciplina menor, optativa, e assim foi tratada em um número considerável de cursos de letras no país.

A formação pedagógica só foi contemplada pelo legislador 7 anos depois quando a resolução nº 9, de 10 de outubro de 1969, determinou o seguinte: 

Art. 1º - Os currículos mínimos dos cursos que habilitem ao exercício do magistério, em escolas de 2º grau, abrangerão as matérias de conteúdo fixadas em cada caso e as seguintes matérias pedagógicas:

a) Psicologia da Educação (focalizando pelo menos os aspectos da Adolescência e Aprendizagem):

b) Didática;

c) Estrutura e Funcionamento de Ensino de 2º Grau. 

Art. 2º - Será obrigatória a Prática de Ensino das matérias que sejam objeto de habilitação profissional, sob forma de estágio supervisionado e desenvolver-se em situação real, de preferência em escola da comunidade. 

Art. 3º - A formação pedagógica prescrita nos artigos anteriores será ministrada em, pelo menos, um oitavo (1/8) das horas de trabalho fixadas, como duração mínima, para cada curso de licenciatura. 

Art. 4º - As disposições dessa resolução terão vigência a partir do ano letivo de 1970, revogadas as disposições em contrário. 

Esse currículo mínimo, que tratava as línguas estrangeiras com tanto preconceito, vigorou por 34 anos e, até hoje, influencia os projetos pedagógicos, tal é a dificuldade de se pensar uma organização curricular que não seja baseada em disciplinas.

Participei, desde 1991, de várias comissões de avaliação de condições de oferta de cursos de Letras designadas pela SESU-MEC e pude verificar que, na grande maioria das instituições particulares de ensino superior (IES), o número de horas reservadas para a língua estrangeira, geralmente o inglês, era insuficiente - cerca de 360 horas de língua inglesa e 120 de literaturas inglesa e americana. Mais recentemente, as universidades federais passaram a ser avaliadas e pode ser constatado que a situação não é muito diferente, mesmo nas licenciaturas únicas onde ainda predomina uma carga horária muito grande de conteúdos de língua e literatura na língua materna.

A parte pedagógica é um vazio em muitos desses currículos. Apesar da resolução de 1969 prescrever a obrigatoriedade para “a prática de ensino das matérias que sejam objeto de habilitação profissional sob a forma de estágio supervisionado”, rara era a Instituição que se preocupava com a formação profissional. Na maioria dos casos, a formação do professor de língua estrangeira, e até de língua portuguesa, ficava a cargo de pedagogos sem nenhuma qualificação específica para a tarefa. Os conteúdos das  práticas de ensino, geralmente, exibiam o mesmo formato, não importando se a licenciatura era em línguas ou em matemática, geografia, etc.

No caso das universidades públicas, o problema era menos grave, mas a disputa entre os departamentos de letras e os de educação deixava uma falha nos currículos, evidenciando falta de integração entre os departamentos e até políticas de formação incompatíveis. Na UFMG, por exemplo, na década de 80 e parte de 90, um grupo de professores do então Departamento de Letras Anglo-Germânicas defendia a formação de um professor de línguas apto a desenvolver a competência comunicativa do aprendiz em contextos de ensino diversificado – escolas públicas e particulares, institutos de idioma e até ensino individual. Já os professores responsáveis pela prática de ensino na Faculdade de Educação priorizavam a formação de um professor voltado para o ensino de leitura em escolas públicas. Em outras universidades públicas, o corpo docente dos Departamentos de Letras se eximia de participar da formação docente, alegando que isso era competência dos pedagogos.

Pode ser constatado nos dados da avaliação das condições de oferta (biênio 1999-2000) e nos processos de autorização e de reconhecimento de cursos de Letras daquele período que a formação docente não incluía as reflexões teóricas e as atividades práticas necessárias para a formação do professor de línguas estrangeiras. Vale lembrar ainda que muitos dos cursos de Letras em Português e Inglês eram, e ainda são, ministrados em 3 anos e as falhas curriculares não estão apenas na formação do professor. Há poucas aulas do idioma e as aulas de literatura estrangeira são dadas, geralmente, em português, em turmas grandes, o que dificulta o trabalho do professor. 

Os Cursos de Letras hoje 

A qualidade das licenciaturas foi uma das preocupações do  MEC nos últimos anos. A LDB de 1996 extinguiu a obrigatoriedade de currículos mínimos e, em seu lugar, surgiram as diretrizes curriculares. Essas diretrizes foram elaboradas seguindo os seguintes princípios, objetivos e metas[2]:

Princípios

·         Assegurar às instituições de ensino superior ampla liberdade na composição da carga horária a ser cumprida para a integralização dos currículos, assim como na especificação das unidades de estudos a serem ministradas;

·         Indicar os tópicos ou campos de estudo e demais experiências de ensino-aprendizagem que comporão os currículos, evitando ao máximo a fixação de conteúdos específicos com cargas horárias pré-determinadas, as quais não poderão exceder 50% da carga horária total dos cursos;

·         Evitar o prolongamento desnecessário da duração dos cursos de graduação;

·         Incentivar uma sólida formação geral, necessária para que o futuro graduado possa vir a superar os desafios de renovadas condições de exercício profissional e de produção do conhecimento, permitindo variados tipos de formação e habilitações diferenciadas em um mesmo programa;

·         Estimular práticas de estudo independente, visando a uma progressiva autonomia profissional e intelectual do aluno;

·         Encorajar o aproveitamento do conhecimento, habilidades e competências adquiridas fora do ambiente escolar, inclusive as que se referiram à experiência profissional julgada relevante para a área de formação considerada;

·         Fortalecer a articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa individual e coletiva, assim como os estágios e a participação em atividades de extensão, as quais poderão ser incluídas como parte da carga horária;

·         Incluir orientações para a condução de avaliações periódicas que utilizem instrumentos variados e sirvam para informar a docentes e a discentes acerca do desenvolvimento das atividades didáticas.

Objetivos e Metas

·         Conferir maior autonomia às IES na definição dos currículos de seus cursos, a partir da explicitação das competências e as habilidades que se deseja desenvolver, através da organização de um modelo pedagógico capaz de adaptar-se à dinâmica das demandas da sociedade, em que a graduação passa a constituir-se numa etapa de formação inicial no processo contínuo de educação permanente;

·         Propor uma carga horária mínima em horas que permita a flexibilização do tempo de duração do curso de acordo com a disponibilidade e esforço do aluno;

·         Otimizar a estruturação modular dos cursos com vistas a permitir um melhor aproveitamento dos conteúdos ministrados, bem como, a ampliação da diversidade da organização de cursos, integrando a oferta de cursos seqüenciais, previstos no inciso I do artigo 44 da LDB;

·         Contemplar orientações para as atividades de estágio e demais atividades que integrem o saber acadêmico à prática profissional, incentivando o reconhecimento de habilidades e competências adquiridas fora do ambiente escolar;

·         Contribuir para a inovação e a qualidade do projeto pedagógico do ensino de graduação, norteando os instrumentos de avaliação.

As diretrizes para o curso de Letras, aprovadas em 03 de abril de 2001, afirmam que os cursos de graduação em Letras deverão ter estruturas flexíveis que: 

·        facultem ao profissional a ser formado opções de conhecimento e de atuação no mercado de trabalho;

·        criem oportunidade para o desenvolvimento de habilidades necessárias para se atingir a competência desejada no desempenho profissional;

·        dêem prioridade à abordagem pedagógica centrada no desenvolvimento da autonomia do aluno;

·        promovam articulação constante entre ensino, pesquisa e extensão, além de articulação direta com a pós-graduação;

·        propiciem o exercício da autonomia universitária, ficando a cargo da Instituição de Ensino Superior definições como perfil profissional, carga horária, atividades curriculares básicas, complementares e de estágio. 

             O currículo deixa de ter como foco as disciplinas e passa a ser entendido comotodo e qualquer conjunto de atividades acadêmicas que integralizam um curso e o professor passa a ter duplo papel já que se espera que ele, além de se responsabilizar pelos conteúdos, tenha a função de orientador, influindo na “qualidade da formação do aluno”.

De acordo com as diretrizes, os profissionais em Letras devem “ter domínio do uso da língua ou das línguas que sejam objeto de seus estudos, em termos de sua estrutura, funcionamento e manifestações culturais”. Deles se espera múltiplas competências e habilidades para atuarem como “professores, pesquisadores,  críticos literários, tradutores, intérpretes, revisores de textos, roteiristas, secretários, assessores culturais, entre outras atividades”. Vale lembrar que o processo articulatório entre habilidades e competências no curso de Letras pressupõe o desenvolvimento de atividades de caráter prático durante o período de integralização do curso.

Dentre as múltiplas competências listadas, destaco o que considero o mínimo para a formação do professor de língua inglesa:

·         domínio dos conteúdos básicos que são objeto dos processos de ensino e aprendizagem no ensino fundamental e médio;

·        domínio dos métodos e técnicas pedagógicas que permitam a transposição dos conhecimentos para os diferentes níveis de ensino.

·        a capacidade de resolver problemas, tomar decisões, trabalhar em equipe e comunicar-se dentro da multidisciplinaridade dos diversos saberes que compõem a formação universitária em Letras.

Quanto aos conteúdos, as diretrizes  enfatizam que “Os estudos lingüísticos e literários devem fundar-se na percepção da língua e da literatura como prática social e como forma mais elaborada das manifestações culturais” e enfatizam que “no caso das licenciaturas deverão ser incluídos os conteúdos definidos para a educação básica, as didáticas próprias de cada conteúdo e as pesquisas que as embasam”.

            O documento alerta que “os cursos de licenciatura deverão ser orientados também pelas Diretrizes para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica em cursos de nível superior”. Essas diretrizes foram aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), em 18 de fevereiro de 2002, e, no dia seguinte, foi também aprovada a resolução que institui a duração e a carga horária desses cursos. O prazo para implantação das novas diretrizes se encerra em fevereiro de 2004.  

            A carga horária das licenciaturas, de acordo com a resolução Nº 1 de 18/02/2002, é de 2800 horas, englobando 400 horas de prática; 400 de estágio curricular supervisionado; 1800 horas de aulas para os conteúdos curriculares de natureza científico-cultural; e 200 horas para outras formas de atividades acadêmico-científico-culturais.

Algumas pontos centrais das diretrizes são:

·        O preparo para o uso de tecnologias da informação e da comunicação e de metodologias, estratégias e materiais de apoio inovadores com as escolas de formação garantindo, com qualidade e quantidade, recursos pedagógicos como biblioteca, laboratórios, videoteca, entre outros, além de recursos de tecnologias da informação e da comunicação;

·        O preparo para o desenvolvimento de hábitos de colaboração e de trabalho em equipe.

·        A aprendizagem orientada pelo  princípio metodológico geral, que pode ser traduzido pela ação-reflexão-ação e que aponta a resolução de situações-problema como uma das estratégias didáticas privilegiadas.

·        a pesquisa, com foco no processo de ensino e de aprendizagem, uma vez que ensinar requer, tanto dispor de conhecimentos e mobilizá-los para a ação, como compreender o processo de construção do conhecimento.

·        A previsão de eixo articulador da formação comum com a formação específica e das dimensões teóricas e práticas.

·        A previsão de um sistema de oferta de formação continuada, que propicie oportunidade de retorno planejado e sistemático dos professores às agências formadoras.

·        O incentivo a flexibilidade almejando que cada instituição formadora construa projetos inovadores e próprios, integrando os eixos articuladores nelas mencionados.

·        O estágio curricular articulado com o restante do curso e a dimensão prática transcendendo o estágio e promovendo a articulação das diferentes práticas, numa perspectiva interdisciplinar. 

Quanto ao estágio, a ser desenvolvido a partir da segunda metade do curso, o texto admite que além da observação e ação direta, poderão complementar a formação docente “as tecnologias da informação, incluídos o computador e o vídeo, narrativas orais e escritas de professores, produções de alunos, situações simuladoras e estudo de casos”. Essas orientações para o estágio estão em consonância com um dos princípios que deve nortear o projeto pedagógico dos cursos que diz que “a aprendizagem deverá ser orientada pelo  princípio metodológico geral, que pode ser traduzido pela ação-reflexão-ação e que aponta a resolução de situações-problema como uma das estratégias didáticas privilegiadas”.

 O estágio deve funcionar também como uma instancia de formação continuada, resultado de uma “interação sistemática com as escolas de educação básica, desenvolvendo projetos de formação compartilhados”.

  Uma iniciativa do MEC que pode contribuir para alterar o perfil dos cursos de graduação é a Portaria no 2.253 de 18 de outubro de 2001 que prevê:

Art. 1o As instituições de ensino superior do sistema federal de ensino poderão introduzir, na organização pedagógica e curricular de seus cursos superiores reconhecidos, a oferta de disciplinas que, em seu todo ou em parte, utilizem método não presencial,  com base no art. 81 da Lei no 9.394, de 1.996, e no disposto nesta Portaria.

§ 1o As disciplinas a que se refere o caput,  integrantes do currículo de cada curso superior reconhecido, não poderão exceder a vinte por cento do tempo previsto para integralização do respectivo currículo.

 

Disciplinas a distância, principalmente as que privilegiam as ferramentas de interação assíncrona,  promovem a aprendizagem colaborativa, além de contribuir para a flexibilização do currículo ao eliminar limitações de tempo e espaço.

Outras iniciativas que, certamente, influenciarão o perfil dos cursos de graduação dizem respeito aos dois tipos de avaliação em vigor: o provão  e a avaliação das condições de oferta.

O provão avaliou, em 2002, mais de 400 cursos de Letras em um total aproximado de 31.000 graduandos. Apesar do objetivo ser “avaliar se a formação do bacharel e do licenciado em Letras é compatível com as necessidades do exercício profissional na sociedade brasileira”, a língua estrangeira e a formação do docente de língua estrangeira não são objetos de avaliação. A comissão do provão não se empenha para incluir as línguas estrangeiras que continuam a ser as primas pobres no Curso de Letras. Mesmo assim, o provão teve algum efeito na mudança do perfil de nossas Licenciaturas em Letras, principalmente no que diz respeito à qualificação docente. É evidentes o crescimento no número de docentes com mestrado e doutorado em todas as áreas avaliadas, segundo informativo do MEC[3].

A avaliação das condições de oferta, a exemplo do provão, não incluiu, na primeira grande avaliação nacional (1999-2000),  as licenciaturas únicas em línguas estrangeiras, mas seus critérios foram aplicados a pedidos de reconhecimento e abertura de cursos novos. Durante o período em que estive na presidência da Comissão de Especialistas de Ensino de Letras,  fiz várias visitas a instituições particulares e examinei inúmeros processos, o que me habilita a dizer que a situação da formação do professor em nossa área é muito precária, apesar do empenho das IES em melhorar as instalações e ampliar a contratação de docentes mais qualificados. Os projetos pedagógicos são formulados de forma a economizar na contratação docente e oferecem poucas alternativas aos alunos. 

A avaliação das condições de oferta

Até 2001, os critérios de avaliação do Ensino Superior Brasileiro diferiam de curso para curso, pois havia pouca interação entre as comissões de especialistas da SESu-MEC e os níveis de expectativa e de exigências eram diferentes. Isso causava grandes transtornos às IES que ficavam desnorteadas com demandas diferentes a cada visita de uma comissão de avaliação. Em abril de 2002, o MEC, através da portaria Nº 990, estabeleceu as diretrizes para a organização e execução, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), da avaliação das IES e das condições de ensino dos cursos de graduação.

O INEP através da Diretoria de Estatísticas e Avaliação Superior (Daes) com a assessoria das Comissões do Provão e das Comissões de Especialistas da SESu-MEC, professores de IES públicas e privadas, construiu uma proposta de harmonização dos instrumentos de avaliação. Esse documento, disponível na homepage do INEP [http://www.inep.gov.br/default.asp], teve por base todos os instrumentos desenvolvidos e utilizados pelas diferentes Comissões de Especialistas da SESu ao longo dos 5 anos anteriores. O documento padrão contempla ainda algumas peculiaridades de cada curso como, por exemplo, a previsão de laboratórios específicos daquele curso ou de suas diversas habilitações, como é o nosso caso.

Estão previstos para os Cursos de Letras:

·        Sala ambiente de prática de ensino (Licenciaturas em Língua Portuguesa e em Língua Estrangeira)

·        Laboratório multimídia/línguas (todas as habilitações)

·        Laboratório de informática (todas as habilitações)

·        Laboratório de tradução e interpretação (para Bacharelados em Tradução e/ou Interpretação, Bacharelado em Língua Estrangeira, Secretariado Executivo Bilíngüe) 

O formulário de avaliação do INEP 

O formulário de avaliação do INEP mantêm as três dimensões do documento anterior: organização didático-pedagógica, corpo docente e instalações. Vou me limitar a comentar alguns aspectos dessas três dimensões que podem interferir no perfil dos cursos de Letras. 

Organização didático-pedagógica

Dentro desse aspecto, o projeto do curso deveria ser o carro chefe para garantir a qualidade do ensino. No entanto, a análise dos projetos revela o predomínio de currículos organizados de forma tradicional, em torno de disciplinas, além de a maioria não apresentar coerência entre os objetivos e o perfil do egresso. As ementas e programas se escoram em bibliografia desatualizada, a teoria não dialoga com a prática, e a metodologia é ainda centrada no professor, dentro do modelo de transmissão de conhecimento.  Os projetos de estágio seguem o modelo tradicional de observação e regência sem utilização de tecnologias de informação e comunicação, sem articulação com projetos de educação continuada, sem orientação e acompanhamento sistemáticos.

Outro aspecto da organização do curso a ser avaliado é sua coordenação, incluindo a titulação do coordenador, sua experiência, regime de trabalho, atuação, dedicação ao curso e sua participação e de outros docentes em órgãos colegiados. Esse é, certamente, um fator que pode alterar o perfil de um curso. Um coordenador bem qualificado e experiente poderá conduzir o processo pedagógico de forma a atender às diretrizes curriculares. 

Corpo docente 

De acordo com o formulário de avaliação do INEP, um dos aspectos do corpo docente a ser avaliado no indicador 2.3.3 – Atividades relacionadas com o ensino de graduação –  é a orientação de estágio. O conceito Muito Bom (MB) implica o envolvimento de 75% dos docentes nessa atividade. No entanto, poucos são os professores que se envolvem com a formação docente. Apesar de a grande maioria dos cursos serem de licenciatura, a vocação do corpo docente da área de Letras continua muito voltada para um perfil de bacharelado, pois poucos são os docentes interessados em questões de ensino/aprendizagem.

Os outros dois aspectos nesse indicador são as orientações didáticas (atendimento fora do horário de aulas) e a orientação de bolsistas, com a exigência de 50% de envolvimento do corpo docente para se alcançar o conceito (MB). As atividades de pesquisa, previstas na resolução de formação de professor, ainda são insipientes no conjunto dos cursos de Letras no Brasil e rara é a instituição que tem programas consolidados de iniciação científica, monitoria, extensão ou outras atividades complementares.

 As Universidades e Centros Universitários são avaliados como (MB) no indicador 2.3. – Atuação nas atividades acadêmicas - quando 12% do corpo docente tem atuação na pós-graduação e 50% e em atividades de extensão. O envolvimento com pós-graduação, já consolidado na maioria das universidades, começa a surgir nos Centros Universitários, mas a extensão é ainda insipiente em todo o sistema universitário.

A exigência de qualificação docente e a produção intelectual também contribuem para a boa avaliação de um curso. A intenção do INEP é ir aumentando os indicadores da qualificação docente, medida essencial para garantir a evolução positiva dos cursos e o incentivo à qualificação docente. Tem-se notícia de que cursos que atingiram o patamar de qualificação exigida  não mais estimulam, ou melhor, desestimulam seus docentes a se qualificarem por questões econômicas.

O instrumento prevê, ainda, apoio aos docentes e discentes para participação em eventos e seus efeitos positivos já se fazem timidamente presentes. Percebe-se, em nossos eventos, um aumento na participação de docentes de IES particulares e, esse aumento deve ter como uma de suas causas a indução do instrumento de avaliação. 

Instalações 

            A previsão de salas de trabalho para os professores; recursos de informática, audiovisuais e multimídia; existência de rede de comunicações científicas; e apoio na biblioteca para elaboração de trabalhos acadêmicos são, entre outros, quesitos que podem contribuir para a mudança do perfil de nossos cursos.

Apesar de as “Instalações” serem, geralmente a dimensão em que as IES investem mais,as bibliotecas continuam sendo o calcanhar de Aquiles dos cursos. Os acervos são, quase sempre, insuficientes tanto em títulos quanto em número de exemplares (na proporção de um exemplar para cada 10 alunos matriculados) e o número de assinaturas de periódicos, freqüentemente, não atende a proposta pedagógica do curso. 

Conclusão  

A legislação mais flexível é, sem dúvida, um passo importante para a mudança do perfil dos Cursos de Letras. Outro passo importante é o conjunto de procedimentos de avaliação e supervisão que têm fundamento legal no inciso IX do artigo 9º da LDB (Lei n. 9.394/96). A avaliação não deve ser entendida como processo punitivo, mas como um diagnóstico constante com vistas à melhoria do sistema educacional brasileiro.

Não resta a dúvida de que todas as ações geradas pela LDB em vigor têm um impacto positivo na evolução dos Cursos de Letras. Considero que, no caso específico das Línguas Estrangeiras, ainda há muito a avançar. Vejo as licenciaturas duplas como um dos empecilhos para uma maior qualidade

As diretrizes curriculares, a resolução de formação de professores e os instrumentos de avaliação apontam caminhos interessantes para um novo perfil do Curso de Letras. No entanto, continuam as licenciaturas duplas e a parte mais afetada é a formação de professor de língua estrangeira.

Acredito que o fim das licenciaturas duplas seria uma medida essencial para uma mudança de patamar na qualidade dos cursos. Quando presidi a Comissão de Especialistas de Ensino de Letras na SESu, chegamos a discutir uma proposta a ser encaminhada ao CNE, mas ao consultar os professores de língua inglesa no XVI ENPULI (Seminário Nacional de Professores Universitários de Língua Inglesa), realizado em Londrina, em Setembro de 2002, constatei uma enorme resistência dos professores de língua inglesa das IES privadas. Havia, naquela época um receio geral de que tal medida poderia causar o fechamento de alguns cursos e que as IES manteriam apenas a licenciatura em Língua Portuguesa. Eu não me senti legitimada a insistir naquela direção, pois entendia que não poderia atuar naquela Comissão guiada apenas por minha convicções. No entanto, continuo acreditando que é preferível termos alguns cursos fechados a continuarmos formando professores mal preparados.

Os projetos pedagógicos em vigor nas licenciaturas duplas continuam privilegiando os conteúdos em língua portuguesa, ficando a língua estrangeira com pouquíssimo espaço na grade curricular. As literaturas, espaço essencial para que o aprendiz tenha input autêntico, experiência estética e imersão na outra cultura, ficam relegadas, geralmente, a duas disciplinas de 30 ou 60 horas. Conteúdos de formação do professor de língua estrangeira são, geralmente, ignorados, e é raro o curso que oferece atividades curriculares que estimulem reflexões sobre a aquisição, ensino e aprendizagem de língua estrangeira.

 Considero imperativo que seja fixado um percentual de horas mínimas a serem dedicadas ao ensino de língua estrangeiras, que, no meu entender, não deveria ser inferior a metade da carga horária prevista para as licenciaturas (1400 horas.).

A utilização da Internet é outro imperativo, pois ainda é tímido o uso de novas tecnologias que podem propiciar, ao aluno de Letras, experiências de interação não simulada com falantes ou aprendizes da língua estrangeira. O componente de educação a distância, que muito pode contribuir para a flexibilização do currículo e para a autonomia do aprendiz, é praticamente inexistente. O tradicionalismo e o medo do novo embalado pelo preconceito impedem que alguns cursos mudem de perfil e proporcionem aos alunos ambientes de construção de conhecimento adequados ao novo milênio.

  A intenção da resolução de formação de professor da educação básica foi extinguir um tipo de formação chamada de 3+1, três anos de conteúdos característicos de um curso de bacharelado somados a um ano de formação pedagógica, nem sempre contextualizada e embasada em prática reflexiva. Nas licenciaturas únicas, a divisão da carga horária mínima em 400 horas de estágio, 400 horas de atividades práticas e 200 horas de outras atividades pode levar a uma mudança de perfil bastante positiva.

Outro ponto a atacar é o estágio supervisionado. Uma proposta de estágio que almejasse uma boa formação profissional poderia, além de incluir as atividades já tradicionais, contemplar a preparação e pilotagem de material didático e engajar o estagiário em atividades extra-curriculares, tais como as classes de aceleração, oficinas de redação, clubes de leitura, clubes de conversação em línguas estrangeiras, auxílio na avaliação de alunos, reflexão sobre a cultura da sala de aula. Outras atividades relevantes são projetos de pesquisas em forma de estudos de caso e pesquisAção e projetos de educação continuada em que estagiário e professor estabelecem parcerias para que, juntos, o primeiro se forme e o segundo garanta sua qualificação continuada.

As 400 horas de atividades práticas podem também contribuir para a formação dos professores e não estão restritas ao estágio Veja o que dizem alguns parágrafos do artigo 12:

§ 1º A prática, na matriz curricular, não poderá ficar reduzida a um espaço isolado, que a restrinja ao estágio, desarticulado do restante do curso.

§ 2º A prática deverá estar presente desde o início do curso e permear toda a formação do professor.

§ 3º No interior das áreas ou das disciplinas que constituírem os componentes curriculares de formação, e não apenas nas disciplinas pedagógicas, todas terão a sua dimensão prática.

Um projeto inovador poderia abrir espaço, por exemplo, para o exame de produções textuais de alunos do ensino básico e identificar, à luz das teorias, os processos de aquisição da escrita, contribuindo assim para a melhoria do ensino básico.

As 200 horas previstas para outras formas de atividades acadêmico-científico-culturais podem ser preenchidas com eventos, workshops, projetos de extensão, pesquisa, iniciação científica, monitoria, e prestação de serviço à comunidade.

Todos sabemos que a participação em eventos, por exemplo, é uma ótima forma de nos mantermos atualizados e é louvável a abertura do texto legal para sua inclusão nos projetos pedagógicos. Entendo que há problemas financeiros para viagens, etc, mas a própria instituição pode organizar semanas de estudo e convidar professores de outras instituições, promovendo entre as IES uma profícua  troca acadêmica. Podem ser também incluídos seminários virtuais, listas de discussão, e teleconferências.

Com criatividade e vontade de mudar, podemos alterar o perfil dos Cursos de Letras e estabelecer parcerias entre as IES tanto para a produção de eventos quanto para projetos colaborativos de ensino e pesquisa.

Está em nossas mãos agir para que o perfil de nossos cursos mude. Cabe a nós o fazer, pois como diz um anônimo “I must do something” will always solve more problems than “something must be done”.” 

REFERÊNCIAS 

Lei de Diretrizes e Bases. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece
as diretrizes e bases da educação nacional. www.mec.gov.br/home/ftp/LDB.doc

 Diretrizes curriculares para os cursos de graduação. http://www.mec.gov.br/SESU/diretriz.shtm

Resolução CNE/CP 1/2002
Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena.
http://www.mec.gov.br/cne/pdf/CP012002.pdf

Resolução CNE/CP 2/2002
Institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior.
http://www.mec.gov.br/cne/pdf/CP022002.pdf

Avaliação das condições de ensino. http://www.mec.gov.br/Sesu/ofertas.shtm

 

Avaliação das Condições de Oferta dos Cursos de Graduação

http://www.inep.gov.br/superior/condicoesdeensino/manuais.htm



[1] Quatro anos depois, a USP, entendendo que havia em São Paulo cursos suficientes para a formação de professores de português, solicitou autorização, em regime especial, para a implantação de  uma terceira possibilidade de habilitação - Língua Estrangeira e respectiva literatura.. O Conselho Federal, no entanto, teve o bom senso de acatar o parecer do relator a favor a essa terceira opção para todo o território nacional, acreditando que o mercado faria com que se prevalecesse a formação de professores de Língua Portuguesa, o que de fato aconteceu.

 [2] Texto retirado da página do MEC [http://www.mec.gov.br/SESU/diretriz.shtm]. Os grifos são meus.

[3] Provão 2002: Letras. Informativo. Brasília, abril de 2002.

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