PESQUISAÇÃO E AUTONOMIA

 

Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva[1] (UFMG); Eliane Carolina de Oliveira (UFG/doutorandaUFMG); Grace Teles (UFG/doutorandaUFMG); Valdir Silva (UNEMAT/doutorandoUFMG); Danilo Cristófaro A. da Silva (mestrando UFMG)

 

RESUMO: Este trabalho reúne exemplos de pesquisas-ação conduzidas por participantes do projeto ARADO (UFMG). O primeiro relato descreve uma intervenção colaborativa, em uma sala de aula de língua inglesa, gerando reflexão, avaliação e produção de material didático. O segundo resume os resultados de uma pesquisa com crianças carentes aprendendo inglês com o objetivo de lhes aumentar a auto-estima. O terceiro relato descreve uma intervenção no ensino médio que culminou com o uso do computador como recurso pedagógico, contribuindo para uma maior autonomia do professor e dos alunos no processo de ensino e aprendizagem de língua inglesa.

 

ABSTRACT: This report presents three examples of action research carried out by members of ARADO Project at UFMG. The first report describes a collaborative intervention aiming at reflection, material development and evaluation in an EFL high school classroom. The second account presents the results of research carried out with young children learning English as a means to increase their self-esteem. The third report describes a collaborative intervention in a public high school in order to help a teacher in his attempt to use computers as pedagogical tools. This collaborative project contributed to increase teacher’s and students’ autonomy in their teaching and learning processes.

 

 

1. Introdução

 

A sigla ARADO reúne ações que constituem os objetivos básicos do projeto. AGRUPAR alunos da graduação e da pós-graduação da Faculdade de Letras da UFMG e professores das escolas públicas para REFLETIR sobre problemas e ou fatores que interferem no processo de ensino-aprendizagem de inglês como língua estrangeira (LE). AGIR sobre o problema, buscando leituras que ajudem os participantes a refletir teoricamente sobre o tema. Além disso, o projeto tem por objetivo produzir material didático, colaborativamente, de forma a contribuir para o contexto escolar. DOAR o material produzido para as escolas e para um portal virtual (http://www.letras.ufmg.br/arado) que está sendo mantido com a colaboração de participantes do projeto e de alunos da graduação, especialização, mestrado e doutorado da Faculdade de Letras da UFMG.

A inspiração para o ARADO foi a filosofia educacional de Ben Shneiderman (1998) que se baseia em três componentes: (1) Relacionar: trabalho colaborativo de equipes; (2) Criar: desenvolver projetos ambiciosos; (3) Doar: produzir resultados que sejam significativos para alguém fora da sala de aula.

Segundo Shneiderman (op. cit), “o componente relacionamento enfatiza o esforço do grupo para desenvolver a comunicação, o planejamento e o gerenciamento das habilidades sociais”.  a criação é a fusão entre a aprendizagem e o trabalho criativo e a doação evidencia “os benefícios advindos da implementação de projetos autênticos que serão significativos para alguém fora da sala de aula”.

O projeto ARADO tem como objetivo geral construir um espaço fértil para a integração da Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos, a Licenciatura em Língua Inglesa, e as Escolas Públicas da grande BH, em busca da identificação de problemas de ensino-aprendizagem de língua inglesa, no ensino fundamental e médio, e de propostas concretas para solucioná-los, ou, pelo menos, amenizá-los. Seus objetivos específicos são:

 

(1) propiciar aos professores da rede pública a oportunidade de educação continuada;

(2)  propiciar aos estagiários da licenciatura em inglês um contexto de estágio com suporte

de profissionais experientes;

(3) transformar o espaço de estágio em um local de experiências colaborativas;

(4) identificar problemas no processo de ensino-aprendizagem em escolas públicas;

(5) refletir teoricamente sobre os problemas identificados;

(6) intervir de forma colaborativa (professor/estagiário/mestrando ou doutorando) no

processo de ensino-aprendizagem de língua inglesa;

(7) produzir material didático para escolas públicas; e

(8)  manter um portal virtual de apoio pedagógico a professores e alunos de língua inglesa.

 

 No ano de 2004, foram desenvolvidos cinco projetos, e três deles, serão aqui sintetizados. Os três projetos envolveram doutorandos, alunos da graduação e professores de instituições públicas.

 

2. Projeto 1: produção de materiais didáticos e autonomia do professor

 

O primeiro projeto foi desenvolvido pela doutoranda Eliane Carolina de Oliveira, um aluno da graduação e uma professora de uma escola pública de Belo Horizonte.

A experiência objetiva demonstrar que a abordagem de pesquisa denominada pesquisa-ação (NUNAN, 1993), especificamente, a pesquisa-ação colaborativa (SAGOR, 1992), pode propiciar aos professores oportunidades de aumentar seus conhecimentos empíricos e teóricos acerca da atividade de investigar, bem como de se tornarem mais críticos, reflexivos e conscientes a respeito da sua própria prática e, de, eventualmente, aprimorá-la.

 

2.1.contexto

 

A investigação foi conduzida no primeiro semestre de 2004 em uma instituição denominada Cidade dos Meninos (http://www.cidadedosmeninos.org.br ) que se situa na região metropolitana de Belo Horizonte. O trabalho foi realizado nas turmas de uma professora de língua inglesa do turno matutino dessa instituição, totalizando 292 alunos distribuídos em 9 turmas do 1º ao 3º ano do Ensino Médio. Na ocasião dessa investigação, a professora participante fazia parte do Projeto de Educação Continuada de Professores de Línguas Estrangeiras da Universidade Federal de Minas Gerais – EDUCONLE (http://www.letras.ufmg.br/educonle/). Sendo de natureza colaborativa, a presente pesquisa-ação contou igualmente com a participação de um aluno da graduação da Faculdade de Letras da UFMG que desenvolveu seu projeto de iniciação à docência também nesse contexto e, ainda, a própria pesquisadora. 

Seguindo as etapas propostas para a pesquisa-ação (NUNAN, 1993), o trabalho teve início com a observação do contexto. Com base nas observações feitas bem como nos dados coletados junto aos alunos (questionário) e junto à professora participante (entrevista), constatou-se que a apostila adotada para o ensino de inglês suscitava pouca participação e interesse dos alunos e gerava insatisfação com os resultados por parte da professora.

 

2.2. Objetivos e ações

 

Mediante a hipótese levantada de que a reflexão sobre as atividades realizadas juntamente com o fornecimento de formas alternativas e adicionais à prática de ensino-aprendizagem da participante poderiam auxiliar no contexto em questão, foi proposto o desenvolvimento de um plano de intervenção que consistiu nas seguintes propostas para suplementar o material didático utilizado:

 

a)      Iniciar um banco de figuras com diversas categorias semânticas;

b)      Criar um banco de jogos;

c)      Utilizar textos autênticos retirados de revistas, jornais, sites da Internet, dentre outros e introduzir aos alunos do 3º ano algumas estratégias de leitura;

d)      Criar um banco de músicas.

 

Em relação à professora participante, a proposta foi subsidiar seu conhecimento prático com leituras teóricas e iniciar o que Zeichner e Liston (1996) denominam de reflexão como prática social, ou seja, uma reflexão mediada pela interação com especialistas ou colegas da área.

 

2.3. DoAções

 

Dentro da proposta de produzir e doar material didático para a escola, o trabalho contou com a  colaboração de todos os envolvidos seja pela ação de selecionar e recortar figuras, gravar músicas e criar exercícios para a prática de compreensão oral, ou pela doação de revistas em língua inglesa como descrito a seguir. 

 

2.3.1.Banco de Figuras

 

A proposta de criar um banco de figuras surgiu como forma de organizar e arquivar os materiais que já eram produzidos pela professora que, no entanto, não os guardava para usos futuros. Como ela estava investindo seu tempo e dinheiro na confecção das gravuras, foi sugerido que tais materiais estivessem disponíveis de forma organizada e de fácil acesso não só para seu próprio uso, mas também para o de seus colegas. Assim, a primeira doação foi auxiliar na seleção e recorte de algumas figuras de revistas para que fossem arquivadas, na escola, em caixas de acordo com algumas categorias semânticas: people, actions, places, sports, objects, house and furniture, animals, food, drink, means of transportation.

 

2.3.2. Banco de jogos:

 

Dominós, jogos de memória, cartões para prática de conteúdos diversos foram algumas das sugestões para complementar as atividades da apostila utilizada pelos alunos e professora. Os alunos tiveram participação ativa na confecção dos jogos, utilizando gibis e figurinhas que traziam de casa e também recortes de revistas para o banco de figuras.

 

2.3.3. Banco de músicas

 

As atividades com músicas utilizadas nas aulas da professora participante consistiam geralmente em disponibilizar a letra da música com espaços em branco para que os alunos a ouvissem e completassem com as palavras que estavam faltando. Após executar a canção algumas vezes, a professora corrigia a atividade escrevendo ou falando as palavras e, em seguida, todos cantavam. Os alunos reclamavam quando a música era antiga ou de cantores desconhecidos para eles. A ação, nesse item, foi discutir quais outras atividades poderiam ser feitas além de gap-filling, tentar incluir algumas músicas de cantores mais atuais e também o que poderia ser trabalhado antes e depois da atividade de compreensão oral, ou seja, atividades de pre-listening e post-listening.

A localização e gravação de músicas mais atuais e a elaboração de várias das atividades desse item contaram com a colaboração do aluno de graduação que doou à professora um CD contendo as músicas e os handouts que poderiam ser utilizados com elas. Segundo relato do próprio graduando, a possibilidade de acompanhamento do ensino e aprendizado da língua inglesa em um contexto bem distinto daquele em que atuava como professor de inglês (escola particular de idioma), proporcionou-lhe uma ampliação de seus conhecimentos sobre outras comunidades de ensino/aprendizagem de LE.

 

2.3.4. Textos autênticos

 

Como mencionado pela própria professora, os textos existentes no material adotado pela escola constavam de textos não autênticos que eram, prioritariamente, utilizados para o ensino de conteúdo estrutural. A participante havia recebido input teórico sobre como trabalhar a habilidade de leitura em LE nas aulas do EDUCONLE, mas encontrava dificuldades em ter acesso a materiais autênticos. Ela então manifestou o desejo de trabalhar com estratégias de leitura com seus alunos do 3º ano do ensino médio objetivando prepará-los para o vestibular. É ainda importante mencionar que além de doações de edições de revistas como a Times, Cosmopolitan, Speak Up, Reader’s Digest, e também revistas em quadrinhos, foi mostrado à participante que a Internet é um excelente local para busca de materiais para uso em sala de aula, bem como, para o seu próprio desenvolvimento profissional. Neste sentido, foi apresentado à professora o site do projeto ARADO visto que o trabalho era parte integrante da filosofia que o embasava.

Avaliando as ações implementadas, é possível afirmar que as mudanças nas práticas de sala de aula da professora encontravam-se, à época do desenvolvimento do projeto, na fase inicial. O processo de reflexão iniciado possibilitou que a professora ficasse mais consciente das suas próprias ações e mais confiante no trabalho que havia começado a desenvolver. A possibilidade de criar seu próprio material ou adaptar os existentes para suplementar a apostila que era adotada pela escola, também se constituiu em um importante item no desenvolvimento profissional da participante.

Acredita-se que foi possível, mesmo no curto espaço de tempo alocado para a condução desta pesquisa, viabilizar a introdução de ações alternativas adicionais de ensino/aprendizagem no sistema de ensino da instituição que, normalmente, inibia inovações e mudanças por meio da atividade de pesquisa-ação.

Este grupo do projeto ARADO lançou a semente que, eventualmente, germinará e produzirá o fruto que é a condução da pesquisa-ação por iniciativa da própria participante. Além disso, foi também possível colaborar na formação em-serviço da professora, fornecendo-lhe novas habilidades e aumentando sua auto-estima além de estabelecer, de forma colaborativa, as relações de comunicação entre pesquisadora, aluno da graduação e professora (COHEN e MANION, 1980, citados em NUNAN, 1990). A equipe responsável por este projeto acredita ter ARADO a terra e, dessa forma, seguido o que é proposto pelos verbos AGRUPAR, REFLETIR, AGIR, e DOAR.

 

3. Projeto 2: elaboração de materiais, o ensino de inglês e auto-estima de crianças de pré-escola

 

      Este projeto foi desenvolvido pela doutoranda Grace Teles que contou com a participação parcial de uma aluna da graduação, que, infelizmente, por problemas pessoais, abandonou o projeto antes de seu término.

 

3.1. O contexto

 

Esta pesquisa trata do ensino de língua inglesa (LI) para crianças de pré-escola (quatro a sete anos de idade) de uma creche mantida por voluntários que atuam na área de educação infantil. A creche está situada em Belo Horizonte e atende crianças das classes populares. Uma visita de avaliação do ambiente de aprendizagem (a creche) revelou o seguinte: a intervenção e implementação do curso de inglês seriam efetuadas em duas turmas, uma com crianças de quatro e cinco anos e outra com crianças entre cinco e sete anos. Ao todo, os grupos perfaziam um total de vinte e uma crianças que, em sua maioria, moravam em favelas com seus pais. Algumas destas crianças apresentavam problemas congênitos ou de ordem psicológica, tais como incontinência urinária, comportamento imaturo em relação à faixa etária, e déficit de atenção.

A creche conta com boas instalações, salas de aulas arejadas com carteiras e mesinhas para as crianças menores. As salas de aula possuem, também, quadro branco, gravador, e muitos materiais escolares de uso comum. Há, ainda, um refeitório com mesas grandes, sala de recreação, pátio, horta, e diversos brinquedos. A coordenação da creche deu suporte ao projeto, fornecendo reprodução xerográfica das atividades que seriam desenvolvidas e materiais escolares que se fizeram necessários.

Foi acordado que, durante a pesquisa, as professoras titulares, que até então não ministravam conteúdos de língua inglesa, ficariam presentes durante as aulas, atuando como assistentes.

 

3.2. Objetivos

 

O objetivo da intervenção foi aumentar a auto-estima das crianças através do ensino de língua inglesa.

Briggs (2002) define auto-estima como “... a maneira pela qual uma pessoa se sente em relação a si mesma. É o juízo geral que faz de si mesma – quanto gosta de si mesma” (p.5). Ainda de acordo com Briggs, o desenvolvimento de uma sólida auto-estima requer duas necessidades básicas. Interiormente, as pessoas devem ter as convicções de que “podem ser amadas” e que “têm valor”. Em outras palavras estas convicções são de ordem existencial e psicológica. Para um crescimento saudável, é preciso que uma criança aprenda sobre sua importância como um membro único da família humana. Essa compreensão lhes fará sentir valorosos pelo simples fato de existirem. Outra compreensão também importante é sobre nossas capacidades para gerenciarmos, a contento, nosso mundo interior e o ambiente que nos cerca. Disso acarreta uma noção de que, de alguma forma, fazemos diferença e podemos atuar de forma distinta para com nossos pares.

Auto-estima e autonomia parecem ter uma relação bastante íntima para a criança pré-escolar. Se elas são construtoras ativas de significados e buscam incessantemente compreender o mundo (CAMERON, 2001; MOON, 2000), poderão realizar suasinvestigaçõesou se desenvolverem de forma saudável, se si sentirem bem consigo mesmas (BRIGGS, 2002). Piaget (apud GOULART, 1983) vai além e esclarece que a criança em sua primeira infância passa pelos estados de anomia, heteronomia e autonomia. Goulart (1983) diz que Piaget analisou o desenvolvimento afetivo das crianças “... do ponto de vista da relação com o outro, distinguindo etapas que vão desde a anomia (ausência de regras morais para limitar o que é permitido fazer), passam para a heteronomia (regras impostas pelo outro) e atingem a autonomia moral (regras impostas pelo código de valores interior)” (p.26). Ao ensinar a criança pré-escolar no período de heteronomia, mostrando sinais de autonomia, Jones (1998) afirma que, em sala de aula, “crianças pequenas são capazes de construir sua própria auto-estima ao bater palmas quando fazem algo positivo e ao contar aos outros sobre seus feitos com um largo sorriso[2]” (p.76).

Nesta pesquisa, o ensino da LI visou estimular a participação das crianças e o relato dos conhecimentos aprendidos a outras crianças, seus pais, e outros adultos. Com relação aos elementos lingüísticos, o objetivo era promover compreensão genuína (GARDNER, 1994) de vocábulos inseridos em uma história sobre uma criança que, assim como os aprendizes, também freqüentava uma creche enquanto os pais trabalhavam. Por compreensão genuína entende-se aquele tipo de compreensão em que o aprendiz transfere para outro contexto ou situações novas o que aprendeu no ambiente de aprendizagem.

 

3.3. Ações

 

As ações se constituíram em montagem de material e docência. No primeiro encontro, as crianças se mostraram muito curiosas sobre a pesquisadora, suas vestimentas, seus materiais, etc. Diante dessa curiosidade, a pesquisadora tentava sanar seus questionamentos fornecendo-lhes as palavras em inglês. As crianças mostravam-se como construtores ativos-de-sentidos, pois, nesse momento, viam nas palavras unidades significativas. Assim, quando perguntavam, por exemplo, como se dizia “borboletaem inglês e ouviam butterfly, em seguida, mudavam o tópico, se engajavam em interações discursivas mais longas perguntando, por exemplo, se a pesquisadora tinha  ganho ou comprado seu colar. Assim obtinham e sentiam-se conversacionalmente satisfeitos, e perguntavam sobre outra palavra em inglês correspondente a um outro objeto.

Para as crianças não eram suficientes apenas as trocas interacionais, demonstravam necessidades de tocar os objetos dos quais queriam falar. Se perguntavam por que o cabelo da pesquisadora era “amarelo”, imediatamente pediam para que ela se abaixasse para que pudessem tocá-lo. Para algumas crianças conhecê-la ou tocá-la era mais importante do que a língua que a pesquisadora estava utilizando. Em outras palavras, o foco era a comunicação real e, independente da língua usada, novas perguntas surgiam. Outras, porém, percebiam que a pesquisadora estava pronunciando sons desconhecidos. Com essa percepção, seguravam o rosto da pesquisadora com as duas mãos e pediam para ela abrir a boca. Ao fazê-lo, os pequenos aprendizes mais pareciam médicos otorrinolaringologistas examinando seu trato vocal. Quando lhes era perguntado sobre o que viam ou porque analisavam sua garganta, começavam a rir. No entanto, assim que se pronunciava outra palavra em inglês, queriam novamente examinar seu trato vocal. Parecia que essas crianças queriam entender qual era a origem daqueles sons estranhos.

Dois aprendizes, F e I, demonstraram comportamentos agressivos, eram dispersos, perturbavam as outras crianças, e ignoravam as solicitações. I, por exemplo, jogou a pasta de arquivos da pesquisadora pela janela quando esta lhe pediu para que não mexesse em seus pertences sem sua autorização. No entanto, essa oportunidade foi usada para introduzir as preposições in e out. A pesquisadora chamou a atenção das crianças, que esperavam por uma intervenção disciplinar, e lhes ensinou que o seu folder estava out of the classroom. Convidou-as para irem até o lado de fora da janela e pediu ao I que jogasse seu folder into the classroom. Foi um momento de surpresa para todas as crianças e principalmente para I, que se isolou e passou a observar o que a pesquisadora e as outras crianças faziam.

F agredia fisicamente várias crianças quando tinha seus desejos frustrados. Parecia que queria impedir que as crianças participassem da aula ou que atendessem às solicitações da pesquisadora. Ao se aproximar para perguntar-lhe o que gostaria de fazer na aula de inglês, a pesquisadora percebeu, nesse momento, que F havia urinado em suas roupas. Perguntou-lhe se gostaria de ir ao banheiro. Como resposta ele se esquivou e passou a agredir os colegas que, então, revelaram que ele não sabia usar o banheiro. Isso serviu de gatilho para que a pesquisadora perguntasse às crianças se elas gostariam de aprender como se fala banheiro em inglês. Em seguida, um pequeno passeio turístico pela creche conseguiu desviar a atenção de todos do episódio com F e se constituiu em uma boa oportunidade para ensinar aos pequenos vocábulos, tais como kitchen, classroom, staff room, bathroom, playground etc. Ao final desse primeiro contato, um dos aprendizes perguntou como se falava “eu gosto muito de você” e obteve a resposta I love you. Esse mesmo aprendiz, ao final da aula, se aproximou da pesquisadora e lhe disse I love you.

Após algumas aulas, as crianças demonstraram elevação de sua auto-estima e evidente autonomia: F passou a solicitar idas ao banheiro demonstrando conter mais suas necessidades físicas. Passou a participar e buscava aprovação quando realizava suas atividades. Por duas vezes, quando a pesquisadora chegava à creche, F foi ao seu encontro e pediu para carregar sua pasta, a mesma que ele havia jogado pela janela na primeira aula. I, ainda demonstrava sinais de retrocesso, mas passou a realizar as tarefas. A professora titular relatou que as tarefas realizadas por I estavam corretas e organizadas. A professora considerou tal progresso devido à motivação pelas aulas de inglês. W, uma criança de 4 anos, demonstrou armazenar novos conhecimentos em sua memória longa com muita facilidade. No estágio de revisão das aulas, W usava toda a sua força pulmonar e mal conseguia se manter em seu lugar para responder ao que lhe era solicitado. Sua pronúncia era impecável e demonstrava enorme prazer em participar das aulas. J, também, se mostrava excitado ao contar sobre sua vida. Nesses momentos, dizia que quando era um baby ele tinha um pacifier, mas nunca teve um teddy bear.

Duas aulas, contudo, devem ser discutidas mais detalhadamente. A decisão de ensinar os vocábulos das partes do corpo não se deu de forma descontextualizada ou baseada naquilo que parecia “fácil” ensinar. Durante as aulas, FR, ao aprender a palavra feet, disse que os feet dela sempre doíam, pois tinha que usar os sapatos velhos e pequenos que tinham sido de sua irmã.  A pesquisadora perguntou-lhe quantos irmãos e irmãs ela tinha. Naturalmente, as outras crianças passaram a compartilhar quem eram seus familiares. Outros vocábulos, tais como, family, mother, father, brother, e sister foram ensinados. Em outra aula, com o auxílio de um espelho as crianças deveriam descrever em inglês o que viam ao colocá-lo em frente de suas faces. A maioria das crianças foi capaz de dizer que viam my nose, uma mouth, my hair, my ears, my eybrows, my eyes. Algumas crianças demoravam mais para fazer a atividade, pois observam atentamente seu reflexo no espelho. Diante da insistência para dizer o que viam, se mantinham em silêncio como que “enfeitiçados” com seus reflexos. Nessa mesma aula, após a atividade do espelho, ao serem solicitadas para que desenhassem seu auto-retrato de acordo com as palavras pronunciadas pela professora (atividade de listening) agiam de forma diferente. As crianças que se contemplaram longamente no espelho, verbalizaram serem incapazes de desenhar seu retrato e se negaram a realizar a tarefa. Outras seguiram as instruções e conseguiram fazer o desenho, mas, em seguida, rabiscaram o auto-retrato até que não ficasse mais visível.

 

3.4. DoAções

 

Todo o material produzido foi doado para a Instituição. A visita diagnóstica, além de situar o ambiente, foi crucial para elaboração do material doado. Esse material é composto por uma história em quadrinhos e um arquivo de planos de aula e exercícios. A história retrata a personagem principal como uma criança pré-escolar ávida por conhecer sua realidade imediata, isto é, como uma construtora ativa-de-sentido. Focaliza, também, no curto período de atenção da personagem que ao saciar sua curiosidade sobre um determinado objeto, imediatamente, volta sua atenção à exploração de outros. Os objetos manipulados pela personagem ilustram as necessidades básicas para sobrevivência e crescimento saudável do ser humano. São elas: necessidade de sucção na primeira infância, alimentação adequada, descanso, brincadeiras, e afeto. Ainda a movimentação da personagem, em um “entra e sai” de cena, busca introjetar a idéia de que “quando partimos não desaparecemos, e podemos voltar”. Buscando aquilo que fosse “significativo” para as crianças, a personagem principal, também, era afro-brasileira como a maioria das crianças na creche. Como informação subliminar, foram utilizadas as cores da bandeira brasileira para transmitir visualmente que a história retrata uma criança brasileira.

Com esse material, buscou-se a construção conjunta, com as crianças, do enredo. Dentro do enredo construído surgiram os vocábulos nomeando os objetos pertencentes à personagem principal e suas conotações de forma contextualizada. Assim, temos: pacifier (saciar necessidade de sucção e controle de emoções); baby bottle (saciar necessidade básica – alimentação); blanket (saciar necessidades básicas – aconchego e descanso); teddy bear (saciar necessidade básica infantil – lazer e brincadeiras); e love (saciar necessidades emocionais e psicológicas básicas – sentimentos).

A pesquisa na creche contemplou os objetivos do projeto ARADO, contribuindo para a formação de professores, incluindo a graduanda que participou das atividades iniciais. Pesquisadora, graduanda e professoras da creche, ao se agruparem e trocarem informações teóricas e suas observações, construíram, coletivamente, conhecimentos sobre as crianças e compreenderam melhor o processo de aprendizagem e de desenvolvimento infantil. A intervenção ajudou a elevar a auto-estima não só das crianças, mas também, a de seus pais, que ficaram felizes ao ver seus filhos tendo acesso a um tipo de ensino, geralmente, circunscrito aos mais privilegiados em nossa sociedade.

 

 

4. Projeto 3: o uso do computador como recurso pedagógico: contribuições para uma postura mais autônoma do professor e do aluno no processo de aprendizagem de língua inglesa.

 

Este projeto foi desenvolvido pelo doutorando Valdir Silva, em conjunto com o então graduando Danilo Cristófaro A. da Silva (hoje mestrando) e o professor participante, Paulo Henrique Celestino.

 

4.1. Contexto da pesquisa-ação 

 

A instituição definida para esta pesquisa-ação foi a Escola Pública (estadual) de Ensino Fundamental e MédioDeputado Renato Azeredo”, da cidade de Sete Lagoas-MG (distante 62 km de Belo Horizonte). Essa escola atendeu em 2004 (ano da investigação) 32 turmas do Ensino Fundamental e 16 turmas do Ensino Médio, perfazendo um total de 1.129 alunos. Destes, 746 alunos pertenciam ao Ensino Médio. A Escola contava com 11 computadores interligados a um computador central (em rede), sendo quatro com componentes multimídia (caixa de som e microfones), uma impressora e um scanner. Esses computadores não estavam conectados à Internet. Todo esse material estava instalado em uma sala ampla, com mesas e cadeiras individuais. Esses computadores e demais periféricos foram obtidos através de um convênio firmado em 1998 entre a escola, a Secretaria Municipal de Educação de Sete Lagoas, a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais e o Programa de Informatização do Ministério da Educação. O professor de língua inglesa convidado para participar da pesquisa foi Paulo Henrique Feliciano, formado em Letras pela Fundação Educacional Monsenhor Messias da cidade de Sete Lagoas.

Para melhor conhecer o perfil dos alunos sobre as questões relacionadas ao computador e a Internet e, particularmente, as que envolviam o uso dos computadores pela própria escola foi aplicado um questionário aos alunos do ensino Médio do período noturno. A análise dos dados apontou o seguinte: a faixa etária do grupo pesquisado ficava entre 16 e 20 anos de idade, sendo que do total dos alunos pesquisados, 60% eram do sexo feminino e 40% do masculino. Dos 29 alunos que responderam o questionário, somente três possuiam computador em casa, e destes somente um estava conectado à Internet.  Os dados apontaram que somente 31% deles tinham acesso ao computador por meio de parentes, amigos e cybercafés. Sobre a Internet, 76% dos alunos disseram saber o que era, porém  86% nunca a haviam utilizado.

Quando perguntado se sabiam o que era e-mail, 72% responderam que sim, mas nenhum tinha um endereço eletrônico próprio e também nunca tinham se valido de um para se comunicar. Quando indagados se sabiam o que era um chat, apenas 55% responderam que sim, destes apenas dois terços tiveram a oportunidade de entrar numa sala de chat e utilizar a ferramenta. Quando questionados sobre o tipo de atividades pedagógicas que gostariam de ter no computador, 90% dos alunos disseram que gostariam de trabalhar com leitura, produção e interpretação de textos em inglês. Segundo o depoimento dos alunos, o computadores eram subtilizados, pois eles haviam feito apenas quatro visitas ao laboratório de informática – todas proporcionadas pelo professor de língua inglesa. 

As atividades de ensino de língua inglesa estavam ancoradas na abordagem comunicativa. Entre as estratégias adotadas pelo professor destacam-se: aulas expositivas, exercícios orais e escritos, leitura e compreensão de textos, músicas, apresentação de trabalhos, teatros, diálogos, uso do dicionário, entre outras estratégias. O fato de não haver uma política de distribuição de livros didáticos da língua inglesa por parte do governo federal e nem do estadual, a exemplo do que acontece com as demais áreas, fez com que o professor adotasse apostilas. Essas apostilas constituíam-se de um conjunto de fotocópias de diferentes atividades retiradas de livros didáticos da biblioteca particular do professor e da escola.

Em entrevista com a diretora, fomos informados que a escola tinha 200 professores e somente quatro utilizavam o laboratório e, ainda assim, de forma bastante esporádica. Desses quatro, apenas o professor Paulo ministrava aulas no ensino médio. Perguntado sobre o porquê de o laboratório ser tão subaproveitado, a diretora disse que a maioria dos professores não sabia lidar com o computador, alegavam também que o número de máquinas era  insuficiente, que se uma máquina estragasse não teria como ser feito os reparos por falta de dinheiro, e que muitos não queriam se expor ao fato de alguns alunos possuirem um conhecimento na área da informática maior que as deles próprios.

 

4.2. Objetivos 

 

As observações sobre as diferentes situações encontradas nas práticas sócio-tecno-pedagógicas da escola como um todo e, particularmente, entre o professor Paulo e os alunos, no que concerne ao uso dos computadores, fez com que todo o nosso processo de intervenção fosse focado a partir das seguintes objetivos:

a)      Contribuir com a promoção de atividades pedagógicas complementares às práticas tradicionais de  ensino de LI, através do uso sistemático do computador;

b)      Prover andaimes (WOOD; BRUNER; ROSS, 1976; DANIELS, H, 2003; SILVA, V, 2003), ou seja, assistência tanto ao professor quanto aos alunos na realização de tarefas, num contexto colaborativo (VYGOTSKY, 1978) de ensino e de aprendizagem técnica do computador, que tal conhecimento configura-se como condição sine qua non para o sucesso do ensino e da aprendizagem da língua inglesa;

c)      Assessorar o professor na elaboração de materiais didático-pedagógicos para o meio eletrônico que pudessem contribuir de forma efetiva com a aprendizagem do aluno e também com uma atitude mais autônoma do professor e, por conseqüência, dos alunos;

d)      Contribuir, a partir desta proposta de pesquisa-ação, para que toda a comunidade escolar, particularmente os professores, inserissem em seus planejamentos o computador para que promovessem, assim, não a sua inclusão digital, mas também a de seus alunos.

 

4.3. Ações intervencionistas

 

Os relatos, apresentados a seguir, referem-se às situações-problemas observadas durante três meses, de abril a junho de 2004, e que sofreram intervenções práticas. Todos os encaminhamentos são resultantes das reflexões e discussões realizadas entre os pesquisadores e o professor participante.   

A apostila utilizada pelo professor demonstrava certo grau de autonomia, pois o fato de não possuir livro didático, somado à necessidade de se ter um material de apoio para melhor processar o ensino da língua inglesa, fazia com que ele buscasse em outras fontes, textos e exercícios (fotocopiados) que pudessem contemplar as suas propostas de aula para cada série. Foi possível constatar que as aulas do professor eram realizadas quase todas em inglês, porém as atividades propostas para escrita e leitura não apresentavam nenhum componente diferente das práticas observadas em outros contextos de ensino de línguas como, por exemplo, nos relatos dos outros colegas envolvidos com a pesquisa-ação no projeto ARADO. Frente a essa constatação, refletimos com o professor o porquê de ele não utilizar os computadores como recurso de apoio às aulas de inglês. Um dos fatores que contribuíram para a não incorporação dos computadores no plano de aula estava relacionado com o número de alunos, em média de 35 por sala, e o número insuficiente de computadores, apenas 11. Essa situação criava uma relação de três alunos (quando não quatro) por computador, dificultando, como alegou o professor, o gerenciamento de diversas situações, tais como: a) os alunos não sabiam utilizar os computadores; b) alguns alunos monopolizavam o uso da máquina, fazendo com que os demais apenas ficassem olhando; c) havia ansiedade e frustrações por parte dos alunos; d) havia uma preocupação do professor com o conteúdo; d) a hora-aula era extremamente insuficiente para fazer algo com o mínimo de sucesso; e) havia sinais de vandalismo por parte de alguns alunos, entre outros aspectos.

Apesar de serem argumentos procedentes, foram buscadas soluções para que os computadores fossem utilizados nas práticas pedagógicas do professor. A primeira proposta apresentada estava relacionada ao material impresso elaborado pelo participante. A sugestão foi feita no sentido de o professor incorporar na apostila, textos e imagens relacionados ao computador e a Internet que servissem de base para a proposição de exercícios que contemplassem o programa de conteúdo previsto nos planos de aulas.

Partindo do principio de que a falta de letramento digital por parte dos alunos era um empecilho para trabalhar a língua inglesa no computador, o professor, com o auxílio dos pesquisadores, adotou como critério a divisão dos alunos de cada sala em dois grupos, o de número par e o de número ímpar da lista de presença. Essa medida permitiu uma relação de, no máximo, dois alunos por computador e, em alguns casos, uma relação de um aluno por computador. Tão logo teve inicio a adoção de tal procedimento, o professor pôde constatar que a relação aparentemente ideal de um aluno por computador se apresentava menos produtiva em relação aos que se encontravam em pares. Para o professor, isso estava relacionado ao fato de que, em dupla, eles podiam colaborar um com o outro na execução das tarefas.

Enquanto os alunos de número par ficavam na sala de informática, os ímpares ficavam na sala de aula realizando as atividades da apostila. Na aula seguinte, invertia-se a situação. Foi possível constatar, frente a essa forma de trabalho, que o professor tinha que se desdobrar para gerenciar duas situações distintas de atividades e em espaço físicos relativamente distantes uns dos outros. Quando questionado sobre o possível desgaste gerado pela sua decisão didático-pedagógico, o professor disse que tal atitude era totalmente exeqüível e também reconheceu que isso poderia ter sido feito antes, uma vez que os alunos estavam colaborando, em muito, com a sua proposta. Para o professor, muito desse comportamento positivo estava relacionado, exatamente, com a sala de informática que, na verdade, funcionava como um elemento motivador.

Ficou clara a existência de um pacto entre o professor e os alunos para a implementação e o sucesso dessa nova dinâmica. Essa cumplicidade entre alunos e professor, tendo o uso da sala de computadores como ambiente de aprendizagem, refletiu diretamente sobre a diminuição do índice de ausência dos alunos nas aulas de língua inglesa.

O fato de os computadores estarem off-line e vendo que a interferência dos pesquisadores já surtia um efeito nas práticas do professor, gerou-se um desafio para o grupo, ou seja, como conectar os computadores à Internet. Como havia uma estrutura física pronta, inclusive com uma linha telefônica, faltava apenas comprar um aparelho modem ADSL, e contratar os serviços de banda larga e de um provedor. No entanto a diretora informou que a escola não possuía recursos para arcar com esses gastos. Para contornar tal situação, discutiu-se a possibilidade de uma parceria com uma empresa privada de Sete Lagoas para patrocinar a conexão com a Internet banda-larga. Essa proposta foi apresentada a uma empresa de transporte coletivo que aceitou, de imediato, patrocinar todo o projeto de conexão.                                             

Outras possibilidades suscitadas em reunião com o professor para o trabalho de ensino e de aprendizagem de língua inglesa, em virtude da conexão da sala de informática à Internet e que poderiam ser colocadas em prática imediatamente, seriam:

 

a) criação de contas de e-mail para cada aluno;

b) práticas de uso da língua em ambientes autênticos da rede, como e-mail e chat;

c) comunicação com falantes nativos e não nativos do país e do exterior;

d) acesso a filmes, clips, filmetes, cartões virtuais, imagens, jornais, revistas, propagandas, turismo virtual, etc;

e) acesso a diferentes gêneros de textos e

f) acesso a ambientes de CALL (Computer-Assisted Language Learning) para a prática de exercícios de aprendizagem.

 

 

É evidente que todos esses recursos não garantem a aprendizagem de língua inglesa e tão menos a autonomia do aluno, porém, se bem direcionados pedagogicamente pelo professor, enquanto mediador e provedor de andaimes eficazes (e.g.: estabelecimento do objetivo da atividade (motivação); incentivo à mediação entre os alunos (colaboração); correção das discrepâncias de conhecimento (calibragem); incentivo a busca pelo conhecimento (autonomia); interferência no comportamento psico-social (afetividade), entre outros),  tanto a aprendizagem da língua-alvo como a aprendizagem sobre o uso dessas tecnologias digitais poderiam apresentar resultados bem satisfatórios. Dentro desse mesmo contexto de aprendizagem, tornou-se então possível, contribuir para que o professor e, principalmente, os alunos desenvolvessem um maior grau de autonomia.

 

4.4. DoAções

 

As doações dos pesquisadores, um dos objetivos do Projeto ARADO, no contexto da escolaDeputado Renato Azeredo”, se constituíram em: materiais impressos elaborados com temas relacionados com o computador para complementar a apostila do professor; desenvolvimento de um homepage para a escola; instalação de dicionários eletrônicos nos computadores do laboratório; obtenção de patrocínio de uma empresa de transporte coletivo, durante um ano, para a conexão banda larga, modem, provedor e assistência técnica; doação de um exemplar, para a biblioteca, da Revista da Faculdade de Educação (UNEMAT) em que foi publicado o texto completo sobre a pesquisa empreendida; repasse ao professor de cópias de textos de teoria, de metodologia de pesquisa; envio de informações (via e-mail) sobre palestras, apresentações de dissertações e de outros eventos que pudessem ser do interesse do professor

As conclusões ao final deste trabalho são preliminares, uma vez que muitas das ações empreendidas nesta pesquisa-ação referem-se a um momento das práticas pedagógicas do professor participante dentro da escola, requerendo, por esse motivo, um tempo maior para a verificação de seus resultados práticos. Mesmo assim, foi possível depreender alguns pontos. Primeiro, os benefícios proporcionados pelo computador nas práticas pedagógicas de língua inglesa e nas demais áreas poderiam ser mais profícuos se a escola contasse com apoio técnico por parte de um especialista. Segundo, o provimento de conhecimentos técnicos para os professores os capacitaria para atuarem como multiplicadores desses novos conhecimentos junto aos alunos e, conseqüentemente, minimizaria a resistência deles mesmos e de seus colegas frente ao computador. Terceiro, o ensino/aprendizagem de língua inglesa poderia apresentar resultados bem mais satisfatórios se o professor empregasse o computador em suas práticas pedagógicas (recurso motivador e repositório de materiais que pudessem ser usados na forma impressa ou na própria tela do computador). E por fim, foi possível constatar que, apesar de o professor participante não fazer, a princípio, um uso sistemático do computador em suas atividades, ele apresentava um bom grau de autonomia (Littlewood: 1996; Paiva: 2004) frente as suas outras práticas pedagógicas.

 

5. Conclusão

 

Os três relatos de pesquisa aqui apresentados representam uma pequena amostra dos projetos que já foram desenvolvidos pelos participantes do ARADO. Outros temas foram objetos de investigação em anos anteriores, tais como a motivação, o planejamento de aulas, a (in)disciplina; as crenças e atitudes de uma professora. Alguns desses relatos podem ser encontrados em http://www.letras.ufmg.br/arado/relatorios.htm

O que todos eles têm em comum é a reunião de mestrandos, doutorandos, graduandos, e professores do ensino fundamental e médio, a maioria de escolas públicas, para juntos, de forma colaborativa, refletirem sobre um problema selecionado de comum acordo entre os participantes.

A interação entre os três segmentos –  alunos de graduação, alunos de pós-graduação e professores do ensino público – gera benefícios para todos os envolvidos. Os mestrandos e doutorandos buscam bibliografia, de forma independente, para iluminar o problema escolhido e têm a oportunidade de confrontar a teoria com a prática. Além disso, são iniciados à atividade de orientação, pois têm, sob sua responsabilidade, pelo menos, um aluno da graduação. A experiência de seu colega professor, seus conhecimentos e suas necessidades, trazem desafios na condução da pesquisa, pois os problemas detectados nem sempre são solucionáveis.

Os graduandos têm um espaço privilegiado de estágio, pois terão acompanhamento de um profissional mais qualificado e a oportunidade de interação constante com o seu orientador e com o professor da turma escolhida. O estágio se realiza de forma a integrar teoria e prática. O estagiário aprende com a teoria, mas aprende muito, também, ao acompanhar a atuação do professor e as soluções in loco para problemas nem sempre tratados na teoria ou, muitas vezes, divorciados dessas teorias.

Os professores têm a oportunidade única de contar com colaboradores, de interagir com mestrandos ou doutorandos, de abrir sua sala para novas experiências, de contar com o apoio de um estagiário e de, junto com essa equipe, em condições de igualdade, tomar decisões que podem trazer benefícios para o processo de ensino e aprendizagem em seu contexto.

Finalmente lucra a Universidade ao conseguir atingir seu objetivo de desenvolver de forma integrada a docência, a pesquisa e a extensão.

 

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[1] vlmop@veramenezes.com

[2] Nossa tradução de “young children are able to build their own self-esteem by clapping when they do something good and telling others about their achievements with a big toothy grin”.