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Narrativas coletadas por Francisco Quaresma de Figueiredo

 

Nome: Carla Janaina Figueredo
Idade: 29 anos
Profissão: Professora Universitária - UCG
Tempo de estudo da língua: 19 anos  
Narrativa coletada por Francisco Figueiredo
 
            Quando criança, sempre quis estudar e aprender a falar inglês. Contudo, as condições financeiras de minha mãe não permitiam a realização deste desejo, o que me fez esperar até a 5º série, antigo ginásio, para ter um contato maior com a língua. Lembro-me de que já sabia muitas coisas e entendia perfeitamente o que estava escrito no livro e, mesmo antes da primeira aula, já sabia a lição “A picnic” de cor. Este era o ano de 1986, quando eu tinha dez anos.
            Todo o meu ginásio e o segundo grau foram marcados pelo ensino da gramática da língua inglesa e a memorização de alguns recortes de vocabulário. Quanto à pronúncia das palavras, por muitas vezes, eu mesma tentava descobrir como seria a produção de seus sons, mas isso gerava em mim dúvidas e incertezas. As professoras que tive neste período possuíam diferenças significativas em sua pronúncia, mesmo em se tratando de palavras iguais. A produção oral da língua estrangeira não era, de nenhum modo, prioridade em nossos estudos da época, mas sim a gramática, a leitura de textos, sua compreensão e, raramente, sua discussão e interpretação.
Houve um período no segundo grau em que me senti profundamente desmotivada com a língua inglesa, passando a sentir medo das avaliações e dos textos que deveriam ser traduzidos. Sentia-me totalmente despreparada para a utilização desta língua em contextos diferentes e fora da sala de aula. Foi aí que cometi uma grande incoerência: no meu primeiro vestibular para o curso de Direito, optei pela prova de espanhol, o que, é claro, foi um arraso! Essa minha atitude se deu simplesmente por não acreditar no conhecimento adquirido ao longo daqueles anos e, sobretudo, pela ingenuidade em pensar que o espanhol seria mais fácil e me garantiria a entrada tão sonhada na universidade.
Como eu era uma pessoa pobre, sem condições financeiras para pagar um bom curso preparatório para o vestibular, decidir fazer Letras na Universidade Federal de Goiás, pois, para mim, esse seria o único caminho que poderia me garantir um curso de qualidade, prazeroso e, acima de tudo, gratuito. No ano de 1994, comecei a graduação de Letras Português/Inglês, sabendo que seria um grande desafio, já que não dominava a língua estrangeira e seria, mais tarde, professora dela. Nesse sentido, meu primeiro ano na universidade foi decisivo, enquadrando-me naquela célebre frase de todo processo de aprendizagem: “Sink or swim!”. Em outras palavras, havia duas opções para mim: a luta para aprender a me comunicar em inglês e continuar a “nadar”, ou desistir de tudo e “afundar” de modo solitário na graduação única de Português. Decidi, então, trilhar o caminho árduo da aprendizagem de uma língua estrangeira, tendo como único ambiente de prática a sala de aula e algumas poucas colegas para interagir.
No início, eu mesma me considerava uma aluna fraca e deficiente, pois não sabia me expressar e compreendia pouco o que se passava ao meu redor. Tudo que eu sabia era usar a gramática e fazer exercícios de memorização em casa. Aos poucos, fui aplicando, em minhas interações verbais, as frases que eu memorizava em casa e, a partir disso, comecei a construir novas sentenças, criando, também, contextos comunicativos inusitados. Senti-me um pouco mais motivada ao ver meu crescimento, que, apesar de lento, era relevante, principalmente por causa de meu desempenho na sala de aula e de minhas notas no final deste primeiro ano. Somente um fator ainda me deixava constrangida: o fato de estar inserida em um contexto onde muitos alunos já possuíam uma certa proficiência na língua inglesa, enquanto eu estava apenas “engatinhando”.
A partir do segundo ano da graduação, meus esforços no caminho da aprendizagem do inglês eram enormes. Comecei a estudar Academic Writing e isso me trouxe novas oportunidades de aquisição da escrita, do vocabulário, de estratégias de leitura e, por conseguinte, da fala, tendo em vista nossas discussões sobre os diferentes tópicos vistos em sala. Além dos exercícios da gramática “vermelhinha” do Raymond Murphy, os quais eu fazia com muito prazer, eu lia por diversas vezes os capítulos já estudados do livro Headway Pre-Intermediate, praticava a pronúncia das palavras e a sua transcrição fonêmica e fazia uso de estratégias comunicativas em minhas interações, tais como paráfrases, apelos por assistência, criação de palavras, hesitações, simplificações e gestos. E como já foi dito anteriormente, gostava muito de inserir, em meus diálogos com os colegas, as frases e expressões que encontrava nos livros e que memorizava para demonstrar alguma fluência.
A leitura foi, sem dúvida, um instrumento de suma importância em minha aprendizagem do inglês. A leitura em voz alta me fornecia, de certa forma, uma prática da pronúncia e da fala, conseqüentemente. Os textos que lia eram ricos em vocabulário do cotidiano e em contextos que me forneciam subsídios para uma comunicação espontânea e eficaz com minhas colegas na sala de aula. Passei a ler Speak Up e, por ser muito cara, tomava emprestado alguns exemplares na sala de leitura da Faculdade de Letras.
            Meu interesse e motivação pela língua inglesa também aumentaram minha auto-estima ao longo do tempo, pois percebia minha evolução através da realização das tarefas. Sempre fui autônoma em grande parte do que aprendi. Acredito que seja pelo fato de ser filha única e não ter sempre alguém para compartilhar conhecimentos comigo. De certa forma, tive que buscar sozinha tudo o que precisava e queria adquirir. No caso do inglês, não foi nem um pouco diferente.
            Ao iniciar meus estudos de Literatura Inglesa e Americana, o salto foi ainda maior. Apesar de ser um pouco tímida em termos de participação nas aulas, creio que minha professora não se deu conta do quanto aprendi com ela nas disciplinas que ministrava. Consegui, aos poucos, assegurar um conhecimento bastante significativo na língua estrangeira e fui, primeiramente, monitora (1996), e após um ano (1997), professora de língua inglesa do Centro de Línguas da Faculdade de Letras da UFG. Sendo assim, quando finalmente cheguei ao quinto ano da graduação, não só tinha um certo domínio da língua, como também já “encarava” a sala de aula com uma certa experiência. Experiência que também contribuiu muito para a minha aprendizagem da língua, pois estudava muito ao preparar minhas aulas e a praticava oralmente com meus alunos em sala. Fui, portanto, professora de todos os níveis oferecidos pelo Centro de Línguas, desde o inglês I até o VIII, inclusive da turma de Inglês Conversação, onde coletei os dados para a minha dissertação de mestrado acerca das estratégias comunicativas utilizadas pelos aprendizes em atividades de fala.
            Minha escolha por este tema estava claramente relacionada às minhas experiências como aluna de inglês, sempre muito desejosa de estabelecer uma comunicação espontânea, significativa e eficiente ao longo das interações em sala. Por isso, decidi investigar se outros aprendizes faziam uso de recursos estratégicos para não somente se comunicarem na língua estrangeira, como também aprendê-la por meio do processo comunicativo e interacional. Após essa pesquisa, compreendi a importância de uma comunicação sem medo de errar e receber correções e, sobretudo, a colaboração dos colegas na construção do conhecimento.
Em toda a minha trajetória, sempre tive constrangimento nos momentos em que cometia erros, principalmente quando colegas mais avançados me corrigiam, expondo-me diante dos outros e da professora. Felizmente, esses momentos não me causaram danos maiores que o sentimento de vergonha. Foi a partir da minha pesquisa no mestrado que adotei uma nova postura, isto é, uma nova maneira de ver as coisas. Todos precisam de um tempo para aprender, são também detentores de estilos e estratégias diferentes de aprendizagem e, é claro, possuem sentimentos singulares em relação a todo este processo de aquisição de uma língua estrangeira.
Meu desafio neste momento em que desenvolvo o curso de Doutorado é, simplesmente, investigar como a cultura da língua estrangeira é trazida e discutida em sala de aula. Pelo fato de nunca ter estado em um país onde o inglês é falado como primeira língua, sei, perfeitamente, que inúmeros aspectos culturais estão fora do meu alcance. Contudo, por ser fruto de uma aprendizagem realizada no universo da sala de aula, procuro sempre crer que este contexto pode me oferecer, dentro de seus limites, muito mais do que eu possa imaginar. Particularmente, aprendi muito sobre a cultura estrangeira neste universo, além dos aspectos lingüísticos e pragmáticos. Acredito que as dificuldades e os desafios estão sempre presentes no processo de aprendizagem/aquisição de uma língua estrangeira, seja no Brasil ou em qualquer outro país. Creio que os obstáculos só me fizeram crescer, e a superação de cada um deles fez surgir em mim o desejo de sempre continuar a “nadar”.