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Narrativas de aprendizagem de língua inglesa narradas em português

 

Nome: Francisco José Quaresma de Figueiredo
Escolaridade: Doutor em Lingüística Aplicada
Idade: 42 anos
Profissão: Professor Universitário
Tempo de aprendizagem da língua: 31 anos

Aprendi inglês aos 11 anos de idade, em 1973, no meu curso ginasial no Estado do Rio de Janeiro, onde nasci. Eu e a minha irmã, que é onze meses mais nova do que eu, fizemos concurso para estudar no Colégio Municipal Presidente Castelo Branco. À época da seleção, a minha irmã iria para a quarta série primária, mas, como ela havia se saído muito bem no exame de seleção, a Secretária de Educação autorizou o seu ingresso no Ginásio. Eu e a minha irmã estudávamos na mesma sala.

Lembro-me da minha primeira professora, Miss Cremilda, uma professora motivadora, que fazia de tudo para que seus alunos gostassem das aulas. O método utilizado era gramática e tradução. Aprendíamos o verbo to be, presente, passado e futuro dos verbos, interrogativa e negativa. Não via muito propósito naquelas aulas, mas o que eu podia fazer? O inglês tinha o mesmo nível de importância das outras disciplinas e o aluno que não se dedicava podia ser reprovado. Não me recordo do livro adotado, mas, havia nele, textos sobre os Beatles, a Rainha Elizabeth e outros temas interessantes.

Na minha escola, fazíamos diversas oficinas, como gráfica, eletricidade, carpintaria, cerâmica. Adorava as aulas de cerâmica e queria fazer a Escola de Belas Artes. Em 1974, o meu professor de inglês deu, a mim e à minha irmã, uma bolsa para estudarmos em sua escola de inglês. Não queria estudar inglês. Aliás, odiava inglês. Queria fazer Belas Artes.

Meu pai, então, conversou comigo e disse-me que seria importante fazer inglês, pois me ajudaria no Vestibular. Desse modo, fui para a tal escola meio a contragosto. No ano seguinte, eu e minha irmã fizemos um exame de nível para estudar no CCAA. O método, usado na escola, era o áudio-visual, o que, à época, era um grande avanço.

Adorei as aulas, que eram dadas com projeções de slides numa tela para que repetíssemos o que era falado. Apesar de alguns teóricos não concordarem com muita repetição, foi assim que aprendi inglês. A repetição era algo tão constante, que, quando ia dormir, repetia na cama as palavras que tinha aprendido na aula. Decidi ter um caderno de vocabulário para praticar ainda mais. Escrevia várias vezes palavras com a grafia difícil, como hitchhike. Sonhava em ir para os Estados Unidos para poder falar com um americano de verdade. Num certo nível do curso, tivemos de comprar um dicionário Inglês-Inglês. Adorava o meu dicionário e copiava as definições das palavras. Porém, em muitas definições, havia palavras desconhecidas, o que fazia com que eu procurasse as suas definições também. Isto serviu para que o meu vocabulário não ficasse restrito ao que era ensinado nas aulas. Eu e a minha irmã éramos ótimos alunos e competíamos para ver quem tiraria a nota maior nas provas. Isto fez com que fôssemos alunos muito determinados e dedicados.

Dos 15 aos 17 anos de idade, fiz o meu Curso de 2o Grau no Colégio Estadual Henrique Lage, em Niterói. Era uma escola técnica, na qual formei-me em Estruturas Navais. Niterói é uma cidade em que há muitos estaleiros e seria fácil arrumar um emprego. O ensino de língua inglesa lá também se resumia em exercícios gramaticais e tradução, e aprendia os nomes de peças de navio em inglês.

Aos 16 anos, fazia pequenos quadros para vender. Morava em Niterói e tinha de ir a Botafogo para entregar uma encomenda. Na volta, peguei um ônibus até a Praça XV para pegar a barca para voltar a Niterói. De repente, no ônibus, ouvi uma garotinha de uns quatro anos dizer “Mom, is that a horse?”. Tremi de emoção. Estava diante de uma garota de quatro anos que falava inglês com sua mãe sobre uma estátua de um homem em um cavalo, como as muitas que existem no Rio. Desci na Praça XV e percebi que elas também desceram no mesmo ponto. Parei em um bar para dar tempo para elas passarem e as segui. Entraram também na barca e sentei-me ao lado delas. Levei uns dez minutos para ter coragem de falar com elas. Não sabia o que dizer. Tinha receio de não me fazer entender e de não entendê-las. Finalmente, disse “Excuse me, are you American?” E a conversação começou. Peguei o endereço delas no Rio e nos comunicamos por um tempo. Depois disso, perdi o medo de falar com um estrangeiro.

Eu, a minha irmã e dois primos, que também estudavam inglês, íamos freqüentemente ao Pão de Açúcar para esbarrar nos gringos e começar uma conversação. Começávamos sempre com “Excuse me”, uma expressão que nos servia bem para abordar um estrangeiro Passávamos a tarde toda lá, conversando e conversando.

Em casa, eu e a minha irmã só falávamos em inglês, o que irritava um pouco a minha mãe, por julgar que estávamos com segredos. Aos 16 anos, consegui uma correspondente americana, o que favoreceu a minha habilidade na escrita. Adorava receber as suas cartas, especialmente porque colecionava selos. Trocávamos fotos, calendários, cartões e informações sobre nós e sobre os nossos países.

Aos 18 anos, fui aprovado no Vestibular para Engenharia Civil, e devo confessar que os meus conhecimentos de inglês realmente contribuíram para a aprovação. Aos 18 anos também, por influência do meu pai, que é militar, fiz seleção para ser Sargento Especialista da Aeronáutica. Fiz a prova, torcendo para não passar. Mas, a vaidade era maior e não me permitia fracassar em nada que fazia. Fui, então, aprovado e mudei-me para Guaratinguetá-SP, para fazer o curso. Os meus conhecimentos de inglês ajudaram-me a fazer o curso que queria: Controlador de Vôo.

Na escola, dava aulas de reforço em inglês para os alunos que tinham dificuldade e isto deu-me um certo status na escola: era dispensado de fazer as faxinas no alojamento e era escalado para conversar com visitantes estrangeiros. Levei meus livros de inglês para a escola e ficava lendo os textos, em voz alta, para praticar a pronúncia. A pronúncia manteve-se boa, mas perdi um pouco a fluência por não ter com quem conversar. Na escola, as aulas de inglês priorizavam exercícios gramaticais e repetições de sentenças. Aprendi, também, a fraseologia padrão em inglês, usada no controle de vôos.

Fiz o curso em dois anos e, aos vinte anos de idade, formei-me e fui trabalhar no aeroporto de Goiânia.

Chegando a Goiânia, procurei uma escola do CCAA para terminar o meu curso. Estava no livro 11 de um curso de 13 livros. No início, tive muita dificuldade para acompanhar as aulas, pois tinha ficado dois anos sem estudar inglês regularmente, por causa da Escola da Aeronáutica. Falei com a professora que ela teria de ter um pouco de paciência comigo. Resolvi, então, pegar os livros antigos e estudar sozinho em casa. Na primeira prova, tirei a maior nota da turma, o que causou surpresa para os meus colegas. A escola oferecia uma bolsa de estudos para os melhores alunos e formei-me no curso com essa bolsa. Ao terminar o curso, fui convidado para trabalhar na escola como professor de inglês, mas não pude aceitar, pois, como trabalhava na torre e fazia o meu curso na faculdade, não tinha tempo nem disponibilidade.

Na torre de controle em Goiânia, tínhamos de, às vezes, controlar os vôos em inglês, usando a fraseologia padrão. Às vezes, pedíamos para os pilotos falarem em inglês para praticarmos.

Transferi o meu curso de Engenharia para a UFG e estudei por mais um ano e meio. Comecei a não gostar muito do curso e percebi que não havia feito a melhor escolha. Fui, então, à Faculdade de Letras para ver a possibilidade de transferir-me para aquela faculdade. Consegui a vaga e formei-me em Letras Português/Inglês.

Na universidade, voltei a ter, no início, dificuldade, pois a professora era britânica e eu tinha aprendido inglês americano. Tive então, de me adaptar à sua pronúncia e estudar muita fonética. A professora, em certos momentos, impunha o inglês britânico e não aceitava as palavras que eu escrevia em inglês americano e nem a minha pronúncia. Essa experiência, apesar de um tanto traumática, foi positiva, pois percebi que existem vários “ingleses”, e que o fato de eu saber inglês americano não era suficiente para eu me comunicar. Aprendi, dessa forma, o inglês britânico também.

Graduei-me aos 26 anos em Letras e estava muito feliz com o meu curso. Além de trabalhar na torre, dava aulas de inglês numa conceituada escola de línguas em Goiânia, que pertencia àquela professora britânica.

Aos 29 anos, tive uma oportunidade única na vida. O governo japonês estava selecionado quinze brasileiros para participar de um programa cultural, que duraria 50 dias, no qual participariam treze países. Para Goiânia, as vagas eram para professor de música e para professor de inglês. Fiz a seleção e fui aprovado em primeiro lugar. Antes da viagem, nós, os participantes do programa, fizemos um curso de língua e cultura japonesa em Brasília, Lá aprendemos algumas frases em japonês para ajudar-nos na viagem. Recebemos um manual em que havia sentenças em português, em inglês e em japonês. Segui, então, destino para o Japão, e lá pegaríamos um navio para ir ao Havaí, Acapulco, Nova Orleans e Caracas. A língua oficial no navio era o inglês. Apesar de o curso, em Brasília, ter sido curto, pude falar algumas coisas em japonês com os japoneses.

O vôo para o Japão fez escala em Miami, e finalmente eu estava nos Estados Unidos. Confesso que não achei muita graça, pois muitas pessoas, em Miami, falavam espanhol e não inglês. De lá, fomos para Los Angeles. Em Los Angeles, pude falar mais inglês com as pessoas.

No dia seguinte, pegamos o vôo para Tóquio. Lá pude perceber que quase todo mundo fala inglês e pude aprender muitas coisas sobre o Japão, sua cultura, seus tempos, seus palácios medievais, conversando com japoneses em inglês. Após treze dias no Japão, embarcamos para nossa viagem.

No navio, havia participantes falantes de português, espanhol, inglês e japonês. Entre os falantes de inglês, incluíam-se os participantes de Tonga, Fiji, Austrália, Estados Unidos e Canadá, com quem eu conversava e, por meio dessa interação, tive a oportunidade de ter contato com diversas variedades do inglês. Eu tive mais dificuldade de compreender os australianos, inclusive os americanos diziam a eles: “Por que vocês não falam inglês?” Em Nova Orleans, um australiana foi a uma loja de sapatos e não conseguiu comprar sapato algum, pois a vendedora não a compreendia. Dessa vez, tive a certeza de que existiam diferentes “ingleses”!!!!

Após a viagem, vi, então, que o inglês era realmente o que eu queria e, em 1992, fiz concurso para ser professor de inglês na UFG, onde trabalho até hoje. Posteriormente, fiz o meu mestrado e o meu doutorado, sempre tentando compreender melhor o processo de aprendizagem de uma língua estrangeira.

Sempre gostei de ouvir música em inglês e uso muitas músicas, em sala de aula, com os meus alunos. Antigamente, esforçava-me para ouvir as músicas, no intuito de tirar-lhes a letra. Era um excelente exercício para aprimorar o listening. Hoje em dia, não faço mais isso, pois a carga de trabalho é grande e há inúmeros sites no qual obtemos letras de música. O que faço é conferir as letras, pois, em muitos sites, as letras das músicas estão com erros. Apesar de ter aprendido por meio da repetição, não utilizo essa forma de ensino em minhas aulas. Faço com que os alunos pratiquem a língua de uma forma mais interativa e significativa, por meio de jogos e tarefas em pares. Hoje em dia, para manter o meu inglês, escrevo para amigos no exterior, assisto à CNN, vou ao cinema, converso com amigos e com os alunos, ouço músicas, leio revistas e livros, viajo sempre que posso para os Estados Unidos, e tiro dúvidas com alguns falantes nativos. Percebo que, até hoje, estou aprendendo a língua, visto que uma língua é algo dinâmico, em transformação, o que nos possibilita novas aprendizagens.

Para fazer o doutorado, tive de estudar, por três anos, outra língua: o francês. As aulas já se adequavam à abordagem comunicativa. Aprendíamos gramática, conversações, leitura e escrita. Comparando com o inglês, achei o francês mais difícil, principalmente os verbos. Eu ficava horas e horas conjugando, por escrito, os verbos, para praticar suas terminações. A minha motivação para aprender essa língua era, principalmente, fazer a prova para o doutorado, mas gostava de falar francês em sala de aula. Percebia que, quando ia me expressar em francês e não sabia alguma palavra, a língua inglesa emergia para completar as lacunas, e não a língua portuguesa. A sensação que eu tinha era que o fato de eu estar aprendendo uma terceira língua fazia que me apoiasse na segunda língua e não na língua materna. A minha interação, em língua francesa, restringia-se às oportunidades existentes em sala de aula. Fora da sala, quase não tínhamos oportunidade de estar em contato com a língua. Ao final do curso, já lia bastante em francês e fui capaz de ler o livro Le Petit Prince. Li também livros de lingüística em francês para me ajudar na prova de doutorado. Após o doutorado, não tive mais contato sistemático com a língua francesa.

Hoje em dia, percebo o quanto saber a língua inglesa abriu várias portas para mim e deu-me acesso a informações e a novas culturas. Vejo que o meu pai, com sua sabedoria, tinha realmente razão.