Share |

 

Narrativas dos Pesquisadores - Liliane Sade

Minha experiência enquanto aprendiz de línguas:


Sempre gostei e desejei aprender línguas. Minha avó paterna era Síria e sempre que podia falava em sírio com seus filhos e netos. Lembro-me dela brava, dizendo: “yala da hili si meck” (o som é esse, mas não sei como escrever em sírio). Ficava encantada ao ver alguém falando em outra língua e me lembro nitidamente de ficar atrás dela perguntando como dizer isso e aquilo em sírio. Naquela ocasião, estava aprendendo a escrever na escola e fiz uma lista de palavras em português e coloquei sua tradução ao lado em sírio. Obviamente, coloquei a tradução de como eu achava que a palavra era escrita de acordo com a forma como era pronunciada e não a palavra propriamente dita. Nunca me esqueci, por exemplo, que pão em sírio é pronunciado “robis”, o que memorizei automaticamente porque o associei a palavra “robe” em português (roupão, penhoar). Hoje, fazendo uma retrospectiva sobre minha relação com o processo de aprendizagem de línguas, e depois de estudar sobre teorias de aprendizagem de língua estrangeira, percebo que, de forma inconsciente, já usava estratégias de aprendizagem na minha infância, apesar de não ter a menor idéia do que isso significava, o que me permite inferir que estratégias não são apenas processos mentais usados de forma consciente pelo aprendiz. Fico com a definição de OXFORD (1990:8) que se refere às estratégias como “ações específicas tomadas pelo aprendiz para tornar o aprendizado mais fácil, mais rápido, mais agradável, mais direcionado para si mesmo, mais efetivo e mais transferível a novas situações”. Acrescentaria aqui, que essas ações podem ser atitudes conscientes ou inconscientes, como aconteceu comigo quando criança.

Aos 10 anos de idade, minha mãe resolveu me matricular em uma aula particular de inglês. A professora, por ter sido colega e amiga de minha mãe, me tratava com muito carinho e me ensinou as primeiras palavras e frases em inglês. Lembro-me até hoje a primeira frase que ela me ensinou no primeiro dia de aula – ela disse: “quando chegar em casa hoje, após esta aula, diga a sua mãe ‘good afternoon, mother’. E foi isto, exatamente o que fiz e naquela hora recebi o primeiro elogio como falante de inglês – o de minha mãe, é claro que ficou emocionada de me ver falando alguma coisa em inglês. A partir deste dia, adorava ir para o inglês, aprendi músicas (que até hoje ensino para meus alunos), joguinhos em inglês, frases e o famoso verbo “to be”. Apesar de seu método de ensino ser estrutural, a professora sempre levava atividades lúdicas para praticarmos o que tínhamos aprendido. Ao final de meu primeiro ano como aprendiz de inglês, minha professora me deu uma medalha de honra ao mérito para premiar minha dedicação e minhas notas elevadas. Foi assim que, aos 10 anos de idade, graças à querida “Tia Marlene” (era assim que minha primeira professora de inglês, hoje já falecida, gostava de ser chamada por mim) e aos esforços de minha mãe, decidi que queria aprofundar meus conhecimentos do idioma. A medalha que recebi me deixou lisonjeada e apesar de hoje, estar ciente sobre as críticas levantadas à teoria behaviorista que procura premiar os comportamentos desejados, ainda a considero uma técnica pedagógica eficaz.


A teoria da auto-eficácia, explicitada nos trabalhos de BANDURA (1993) e EHRMAN (1996) e caracterizada pela tríade motivação, auto-eficácia e ansiedade, é válida para mim. Segundo EHRMAN (1996:137), um elevado senso de auto-eficácia leva o aprendiz a se arriscar mais e a continuar mesmo frente aos obstáculos e desafios; o sucesso em uma atividade motiva o aprendiz a continuar praticando a mesma. Digo isso, uma vez que sempre me sinto motivada quando percebo que estou me saindo bem em alguma coisa. Ao contrário, quando fracasso, demoro um pouco para recuperar. Quando tentei aprender francês a 20 anos atrás, havia uma aluna na sala que já tinha um conhecimento muito bom do idioma. A professora sempre a elogiava e não nos explicava regras básicas daquele idioma, pressupondo que nós (os outros alunos), assim como ela, já as dominássemos. Adolescente, naquela época, nunca levantei esta questão para minha professora e quando percebi que não acompanhava as aulas com a mesma performance de minha colega, larguei a aula de francês (agora, mais madura, algum dia, terminarei o curso). Isso foi só um exemplo de como me sinto motivada quando consigo um determinado grau de sucesso em uma atividade e desmotivada quando isso não acontece.

No entanto com o inglês, sempre fui bem sucedida, talvez por isso, sempre gostei das aulas. Aos 12 anos de idade, minha mãe me matriculou no CCAA. O método usado neste estabelecimento é o áudiolingual que tem como embasamento teórico o behaviorismo e a lingüística estrutural. As técnicas e atividades do CCAA são fiéis ao método e às teorias que lhe embasam. Ao final de seis anos, completei meu curso de inglês neste estabelecimento sempre com notas elevadas, pois como já mencionei anteriormente, isto, para mim, sempre foi importante. Enquanto aluna, sempre gostei de falar o idioma, mesmo que errasse, não me importava, não tinha medo de arriscar e não era tímida. Participava de tudo que podia, das filmagens, peças em inglês, aulas de conversação e de música (que eram facultativas) e cumpria com todos os meus deveres de aprendiz. Não tinha problemas para falar, mas sentia um pouco de dificuldade para ouvir. Via uma colega que tinha um excelente “listening” e a invejava. Depois percebi que seu listening era apurado graças a seu gosto por músicas. A partir daí, comecei a ouvir músicas e tentar escrever a letra em inglês. Isto me ajudou muito. Gostava muito também, e até hoje gosto, de exercícios gramaticais. Além disso, o método do CCAA, ao trabalhar a parte oral e auditiva primeiramente e só depois a leitura e escrita, privilegia, ao meu ver, os alunos auditivos. Como me enquadro neste grupo, nunca tive problemas com o método, enquanto aluna. No entanto, após começar a lecionar neste mesmo estabelecimento, percebi que muitos alunos não se sentiam seguros apenas ao ouvir o som das palavras, eles queriam vê-las escritas. Hoje entendo que alunos com estilos de aprendizagem diferentes demandam técnicas também diferentes de ensino.

Ao final do meu curso de inglês, fui convidada pelo diretor do CCAA a fazer o curso de professores. Comecei a lecionar aos 17 anos de idade. Apesar de ter sido excelente aluna de inglês, percebo hoje que, apenas quando comecei a lecionar, foi que realmente aprendi a língua e passei a produzi-la de forma natural e automática.

Um outro fato que me ajudou bastante em meu aprendizado, foi ter um correspondente em inglês (quando estudava no colégio Nossa Senhora das Dores, a irmã que lecionava inglês conseguiu um intercâmbio com um colégio nos Estados Unidos e os alunos interessados começaram a trocar cartas com alguns alunos americanos. Todas as minhas colegas pararam após algum tempo, apenas eu continuei). Após 10 anos de correspondência contínua e já lecionando inglês no CCAA, fui para os Estados Unidos e conheci pessoalmente o meu correspondente Jim O’Leary. Foi uma experiência emocionante.
Outra coisa que muito me ajudou foi o meu gosto por filmes. Sou uma “movieaholic”- viciada em filmes. As expressões informais, gírias, costumes que não aprendi nos livros, aprendi com os filmes.

Quando viajei pela primeira vez para o exterior, já falava inglês fluente e a experiência de conversar com nativos em seu próprio país, que outrora me amedrontava um pouco, me deixou em estado de êxtase. Foi nesta época que me senti realmente segura para produzir o idioma – ao ver que entendia e conseguia me fazer entender.

Depois disso, foi tudo muito bom. Continuei minha carreira como professora de inglês, prestei exames de proficiência na língua e passei com sucesso, continuei a aprender a cada aula, com cada aluno, com cada experiência nova. Hoje, como mestre em lingüística aplicada e após 19 anos lecionando inglês em diferentes esferas, tais como, curso livre, ensino fundamental, ensino médio, pré-vestibular e ensino universitário, posso dizer que já passei por diversas experiências de ensino, mas principalmente de aprendizagem e acredito, sinceramente, que conforme EHRMAN (1996) propõe, o nosso gol como professores deve ser o de preparar nossos alunos a continuarem a aprender, mesmo quando não estiverem mais conosco. É isso que procuro fazer: aprender sempre mais, atualizar e viver “a maravilha de ser um eterno aprendiz”.

Liliane Assis Sade


Bibliografia mencionada:
EHRMAN, Madeline E. Understanding second language learning difficulties. London: Sage, 1996.
OXFORD, Rebecca L. Language learning strategies. New York: Newbury, 1990.