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Narrativas coletadas por Liliane Sade

 

Aprendiz 10:

(sexo masculino – 9o período de Letras)

 

Confesso...

 

Quisera eu ter a capacidade de escrever este depoimento em língua inglesa. E mais: ter a proficiência em articular meus pensamentos na linguagem oral, e ser capaz de lhe ouvir e contra-argumentar com você nesta 2ª. Língua. Mea Culpa? Talvez. Dividir a culpa parece mais confortável, pelo menos para mim. Talvez ainda seja justo. Mas quem será que irá julgar, com imparcialidade, o meu percurso de (não) aprendizado da tão necessária, valorizada e cultuada Língua Inglesa, língua de Shakespeare? Mas hoje ela me parece mais comercial do que cultural. Não sei. Vai que isso é defesa. Vamos aos fatos. Isso interessa mais aos pesquisadores.

 

Meu depoimento pode às vezes deslizar para um desabafo. Mas estarei sendo sincero, ainda que subjetivo.

 

Até a quarta série do ensino básico, nunca eu tinha deparado com nenhuma matéria que me pudesse assustar ou que exigisse muito de mim, ainda que desde já levasse muito a sério os estudos. Ir para o Ginásio, escola de referência na educação de minha cidade (mesmo que sendo uma escola pública) foi necessário se submeter a uma espécie de Vestibular, o tal exame de admissão. Passei, tirei de  letra! As disciplinas agora divididas eram novidade, e mais novidade era o Inglês. Gosto de novidades, mas convenhamos o desconhecido assusta, ainda que fascine (mas acho que isso vai para outra área?!!). Me dei super bem, modéstia a parte, na s outras disciplinas. Mas na primeira prova de inglês eu tirei 6. isso para mim era inaceitável. Eu que já gozava dos prazeres de ser o primeiro da classe, quem era esse tal d inglês que me ameaçava o trono. Eu não queria ser o primeiro da turma só por prazer ou massagem para o ego. Era uma forma de eu sobressair, de me impor, de mostrar para mim e para os outros que eu estava ali, que eu era um deles, pois havia uma discrepância muito grande quanto ao meu nível social e os dos outros colegas. Pelo menos no que tange os bens financeiros, garantia de posse e consumo. Entre outros motivos, me sentia, além de tudo, o patinho feio. Tudo bem, eu não tinha dinheiro, nem roupas caras, mas eu tinha “inteligência”.e  o que eu aprendia ninguém podia me tirar, o resto você pode perder tudo...

 

Confesso que dizer isso é fazer uma volta no tempo e um mergulho muito íntimo no que eu sou, no que me tornei. Mas tem algo de Freud nisso. Vai acabar me ajudando, já que estou fazendo um processo de auto aprendizado.

 

Lembro-me que cheguei em casa e mostrei a minha péssima nota de inglês para minha mãe. Ela falou assim: estuda-mais-que-você-dá-conta-eu-sei. E me perguntou o seguinte, depois do incentivo: Mas-pra-que-que-você-estuda-isso-? Ela não esperou a minha resposta. Ainda bem eu não sabia como respondê-la. Fui sabendo, de forma distorcida, para que servia aquela outra língua, aos poucos. Era para passar no vestibular. Mas se eu não quisesse passar no vestibular. E afinal, essa coisa de faculdade, eu ouvia, era pra rico. E como eu ficava nessa história? E outra, mas que língua era essa que nem a professora falava, apenas escrevia, copiando de um caderno de folhas amareladas ou passando um livro feio, triste, para nós alunos. Eu achava bonito, já tinha ouvido algumas poucas músicas nessa língua, lógico, tinha a televisão, as roupas com escrito que eu e a maioria do pessoal não entedia, mas comprava, era bonito e estava na moda. E tinha os alunos que falavam, de fato, o tal do inglês. Estudavam numa escola que tinha como nome um monte de letras repetidas. Mas a professora não falava e nós também não. Não era como no português o modo de pronunciar as palavras, escrevia-se a, mas não se lia a. Era um outro mundo que ninguém me apresentou, apenas me jogaram lá, sem me falar das regras desse mundo, da cultura desse lugar, do jeito dos habitantes. Então o desconhecido, que me fascina às vezes, me aterrorizou.

 

Entendi o jogo da professora. E da quinta séria até no terceiro ano, fechei quase sempre, com a nota máxima essa disciplina.

 

Isso era mais que necessário para mim. Eu tinha minhas metas. Aprendi a ser auto-exigente, melhor, me fiz assim.

 

Sempre quis fazer Letras. Não tive nenhuma dúvida no dia da inscrição do vestibular. Lógico que eu sabia que eu ia novamente deparar com o Inglês, ma as história, eu achava, seria outra. Afinal eu estava ingressando na UNIVERSIDADE. Estudei uns quatro meses, depois de dois anos da conclusão do segundo grau. Estudei sozinho, criei meus horários, busquei informações, ganhei livros, apostilas. Passei super bem no vestibular. AH, como estudei para a prova de inglês? Mais ou menos daquele jeito que eu tinha aprendido na escola: saber um pouco de vocabulário, alguns verbos, sabia ler os textos e então sabia as respostas dos exercícios de múltipla escolha. Batata!!!

 

Veio o primeiro dia de aula na Universidade. Estava tranqüilo. Mas uma brincadeira, um trotizinho, me fez ver que aqui as pessoas falavam inglês, umas bem demais. Umas esnobavam, mostravam-se através da  segunda língua que dominava. Quanta DIVERSIDADE eu fui percebendo na UNIVERSIDADE. Claro que é isso o melhor do ensino superior, pessoas diferentes, de lugares diferentes, com idéias diferentes, culturas, hábitos e clases diferentes querendo aprender a mesma coisa. Como isso é possível e porque acontece, discutimos depois. Mas acho que a Universidade deveria se chamar DIVERSIDADE. Ótimo. Óltimo? Para o aprendizado de uma segunda língua que você irá, depois de uns quatro anos, ensinar a outras pessoas é PÉSSIMO. Sei, reconheço o valor que se tem em um saber mais o outro menos numa sala de aula, isso favorece o aprendizado. Mas depende muito da forma como isso é tocado. Aí entra o professor. Ainda não culpei o professor. Mas ele, lá na quinta série foi culpado sim, de fazer eu ir tomando desgosto, TRAUMA do inglês. Ele não é má pessoa, ótima por sinal, tem cada coisa que ele escreve que eu ainda vou ler no seu original. Isso eu sei que vou. Mas ele me foi apresentado de forma tortuosa, se é que foi me apresentado. E pior, foi ensinado (MAL) de forma muito errada. Fui acumulando essa carga negativa quanto o inglês na minha vida. Mas todos o cultuavam tanto, que eu queria descobrir a razão de tanto sucesso...

 

Não quero falar mal do meu primeiro (des)professor de inglês na faculdade. Mas, coitado, não foi  pior, por que tivemos, na verdade uns três aulas com ele. Se é que essas três aulas foram aulas. Mas tem o lado positivo disso, fiz uma disciplina ótima: “Como NÃO ser um professor em 60 horas”. Passei com A.

 

Me interroguei e sempre questionei isso: por que eu tinha que apenas estudar inglês, na escola e na faculdade. E as outras línguas: o francês, o espanhol e o Italiano? Fui percebendo que o monopólio americano e britânico, a dominação, a colonização, ainda resistia nos tempos atuais. Ou era inglês ou nada. Fiquei em dúvida sete semestres. Fiquei com o inglês, vi que era mesma coisa que nada.

 

Não!!! Não pense que vou culpar meus professores. Reconheço o empenho de todos eles. E tal reconhecimento me fez ser amigos seus. Eu tive uma professora, essa é especial demais. Ela realmente é professora, nasceu para dar aulas e faz com muito prazer, dedicação e segurança e capacidade. Me ajudou bastante em relação a língua inglesa. Me fez perder um pouco do meu Trauma. Passei a gostar um pouquinho. Mas encerraram-se os semestres de inglês... e afinal o estrago em mim já estava feito. E eu não dediquei nem um terço do que dedico o meu dia inteiro, à língua portuguesa e principalmente à literatura, ao aprendizado do inglês. Já não tinha paciência. E a minha dificuldade em língua inglesa eu acho que é grande demais. Lógico temos afinidade e dons para certas áreas e para outras somos menos favorecidos com a capacidade de aprender. Mas acho que todos aprendem, igualmente. Depende do contexto, do método e do Professor.

 

Sei que JAMAIS entrarei numa sala de aula para lecionar Inglês. NUNCA. Só se eu me empenhar bastante nessa área e dominá-la, COMPLETAMENTE. Eu sei, agora a culpa é minha: não me dediquei o suficiente ao longo da vida e do curso. Mas até que tentei: tenho vários dicionários, livros, gramáticas, cursos multi-mídia. Mas não dá. Ainda não me encontrei com o Inglês. Ainda não passou pelo meu sentimento. E isso eu acho que tem que acontecer, ou nada se aprende.

 

Quero e vou continuar meus estudos depois da graduação. E vem o monopólio do inglês nas provas de mestrado e de doutorado. Leio, leio pouco, nos dois sentidos de quantidade e de qualidade. Porque nesse caso, um puxa o outro.

 

Tenho como meta para esse ano: cair de cabeça no inglês instrumental. Se eu souber ler bem nessa língua, por enquanto, me dou por satisfeito. Falar, ainda não. Apesar de eu achar Lindo, maravilhoso, encantador. Mas só de cogitar a possibilidade da professora me dirigir uma pergunta em inglês, pronto!: travo, fico tenso, nervoso e não respondo, porque bloqueado não compreendo, não raciocino. Não fico a vontade, pelo contrário, tenho vontade de morrer, de sair correndo dali.

 

O fato de eu conviver com pessoas que são muitíssimas capacitadas na língua me bloqueia e muito. Como o meu nível, em relação a isso, é muito inferior ao dessas pessoas, então não me arrisco. Prefiro continuar na escuridão da minha ignorância do que me submeter ao erro, ao fracasso diante delas. É pura defesa minha, eu sei. Mas é mais ou menos isso. Minha exigência comigo é muito alta, então sofro. Não tenho mais, há muito tempo, a espontaneidade, a coragem, a franqueza e humildade que uma criança tem para aprender. Acho que sempre vou fracassar e não me arrisco por isso. Me vejo como um verdadeiro impostor ao tentar pronunciar uma palavra sequer em inglês. Procuro não falar nem essas que já nos foram aportuguesadas. É por aí. Amigos meus que são excelentes professores da língua

podiam ser ótimos aliados nessa guerra, mas pelo contrário, os vejo como inimigos, que me trazem o desconhecido que me aterroriza.

 

Quero muito ler no original de cada língua, principalmente em inglês. Sei o quanto perco com isso e como isso me fará falta, mas por enquanto ainda não sei como agir ou REAGIR contra isso.

 

Não concluirei. É apenas um depoimento para uma pesquisadora. Um pouco íntimo: acaba sendo um desabafo e todo desabafo é um pedido de ajuda.