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Narrativas coletadas por Francisco Quaresma de Figueiredo

 

Nome: Neuda Alves do Lago de Assis
Escolaridade: Doutoranda em Lingüística Aplicada
Idade: 32 anos
Profissão: Professora Universitária
Tempo de aprendizagem da língua: 24 anos
Narrativa coletada por Francisco Figueiredo
 

Comecei a aprender inglês aos 9 anos, quando ingressei na quinta série do curso ginasial na cidade de Formosa, interior de Goiás. Estudava, desde o pré, na Escola Evangélica Franklin Graham, que pertencia à igreja Presbiteriana. A escola era muito conceituada na cidade, por sua qualidade de ensino, e trago muitas memórias doces daquele tempo. Surpreendentemente, porém, não me recordo de nada relacionado ao inglês: nem minha professora, nem conteúdo, aulas, nada.

Nos mudamos ao fim daquele ano letivo para a capital do Estado, Goiânia. Pela primeira vez, experimentei o sistema público de ensino, indo estudar a 6ª série na Escola Estadual Arquilino de Brito. Só me recordo de que tinha boas notas em inglês, e que a considerava uma disciplina fácil. É do próximo ano, ao cursar a 7ª série numa escola semi-particular, conveniada com a prefeitura de Goiânia, a minha primeira lembrança mais consistente do inglês. Meu professor era calmo, sorridente, e ensinava como se estivesse conversando em casa com amigos. Utilizava algumas músicas em sala, também, e ainda hoje posso cantar San Francisco, memorizada naquela época.

Fiz dois cursos de segundo grau: magistério e administração de empresas. Os dois ofereciam inglês apenas em algumas séries. No curso de administração de empresas, tive uma professora muito amável e dedicada, que se esforçava bastante para que aprendêssemos o que ela considerava importante para secundaristas. Gostava das suas aulas, apesar das limitações dum ensino completamente voltado para a memorização de verbos e frases feitas em inglês.

 

Em algum ponto nessa trajetória de estudos primários e secundários, aprendi um diálogo que tive que representar na frente da turma:

-         Oh, my head! I´m not well!

-         What are you complaining of, Doris?

-         Oh, a terrible headache!

Não me lembro do restante. Somente essas frases ficaram registradas na minha memória, creio que devido aos gestos teatrais e entonação que as acompanhavam, tornando o recitar muito divertido para toda a turma. Todos tínhamos que falar o mesmo diálogo, em frente dos outros, o que poderia ser algo chato, mas me lembro de ter gostado muito. Essas são as únicas frases que tenho guardadas desses anos de estudo da língua inglesa, e também as únicas que aprendi a falar.

 

Concluí o último curso de segundo grau, com um currículo brilhante em inglês: sempre a nota 10,0, do começo ao fim do ano, desde a 5ª série. Minha bagagem lingüística reduzia-se, porém, à conjugação do verbo be, e alguns outros verbos no passado, acrescidos de uns poucos substantivos e adjetivos. Ressalte-se: somente a forma escrita.

Minha história com o inglês passou por uma pausa de alguns anos. Aos quinze anos prestei vestibular para Pedagogia, e me mudei para São Paulo para cursar aquele que seria meu primeiro curso superior iniciado. Após um ano e meio de curso, iniciei a faculdade de enfermagem, e dessa, passei para a de medicina. Durante esse tempo, meu contato com o inglês se reduziu às legendas de uns poucos filmes e aos comerciais em inglês (abundantes) nos shopping centers de São Paulo. Fui reencontrar a língua somente ao voltar pra Goiânia e começar a faculdade de Letras, na Universidade Federal de Goiás.

No meu primeiro dia de aula de inglês na UFG, passei pela experiência mais traumática da minha vida acadêmica. A professora era uma gracinha, muito carismática e competente, e a aula foi excelente, é minha opinião de teacher trainer hoje. O único problema para mim à época: a aula foi dada em inglês, do começo aos últimos dois minutos. Entendi somente o good morning, e me senti um peixe-fora-d´água o restante do tempo. O que agravou a situação foi o fato de que a turma, quase em sua totalidade, respondia à altura do nível de inglês da aula, entendendo, falando, rindo.

Nos últimos dois minutos da aula, em português, meu mundo veio abaixo: a professora explicou que o curso de Letras da Universidade Federal de Goiás pressupunha que seus alunos tivessem no mínimo dois anos de estudo de inglês em cursos livres de línguas, com aulas ministradas em inglês, ou que tivessem morado em países anglo-falantes, de forma que já tivessem o conhecimento básico do idioma. Nós deveríamos continuar e aprofundar esses estudos na faculdade, partindo do nível pré-intermediário. A professora explicou, então, que, se houvesse alguém ali que não se enquadrava no perfil esperado do aluno de inglês, deveria imediatamente procurar os responsáveis pelas línguas neo-latinas oferecidas pela faculdade: francês, italiano ou espanhol, visto que nelas o curso começava a partir do nível elementar.

Foi o que fiz: procurei os professores das outras áreas para providenciar a mudança de língua estrangeira. Recebi, porém, a informação, para mim catastrófica, de que como a língua estrangeira que escolhi para as provas do vestibular tinha sido o inglês eu seria obrigada a cursá-la. A troca seria possível se eu tivesse prestado o exame de admissão em qualquer das outras línguas neo-latinas, mas não poderia haver esse intercâmbio entre elas e o inglês. Voltei para casa naquele dia com o peso do mundo nas costas. Não consegui dormir a noite toda.

As próximas aulas foram muito difíceis. Meus companheiros não eram apenas fluentes, alguns já eram proficientes em inglês. Pela primeira vez na vida, eu me senti inferior aos meus colegas. Aquela era uma sensação inédita e muito difícil de lidar, especialmente pelo fato de que em toda a minha vida escolar jamais um colega tinha tirado notas maiores que as minhas ou tido maior facilidade do que eu, em nenhuma disciplina. Eu não conseguia ver uma forma, porém, para resolver aquele problema, me sentia completamente aquém do que era exigido em termos de domínio lingüístico.

Como eu não tinha opção, resolvi enfrentar o duro processo que tinha à frente. Parecia para mim que o que eu tinha estudado em inglês anteriormente tinha sido quase totalmente inútil, visto que eu sequer reconhecia as palavras quando ditas. Gravei, então, um material complementar que a professora me forneceu, e escutava as fitas em casa, lendo as transcrições. Nós tínhamos tarefas para casa todos os dias, e eu as fazia com muito cuidado, verificando, no dicionário, as palavras que me faltavam, e conferindo com os modelos no livro. Quando a tarefa era de leitura, preparatória para a próxima aula, despendia um tempo grande procurando o significado da grande maioria das palavras. Eu procurava sempre ler o livro-texto antecipadamente, para que não ficasse tão perdida nas discussões em sala.

Nossa turma tinha, também, aulas de literatura inglesa, ministradas em inglês. Foi meu primeiro contato com Beowulf e textos maiores em língua inglesa. Mesmo a tradução do texto original para o inglês moderno era incompreensível para mim, porém. Eu me resignei ao fato de que não conseguiria compreender as aulas, e tentei compensar isso com o estudo extra-classe. Lia várias vezes os textos, buscando, no dicionário, os significados das palavras-chave. Em literatura eu não tinha condição de checar palavra por palavra, visto serem longos os textos, então inferia o significado de algumas pelo contexto e verificava só aquelas que me pareciam mais importantes. Para as provas, memorizava páginas inteiras de crítica literária.

Um terço das aulas de língua era dedicado para a Academic Writing. Essas aulas eram menos tensas para mim, visto que aquela professora utilizava o português algumas vezes, e eu usava meu conhecimento de escrita na língua materna como apoio.

Minhas primeiras notas de tarefa escrita, com as professoras de inglês, foram excelentes. Eu me senti um pouco melhor por isso, e também pelo sucesso nas outras disciplinas do curso, em português. Quando vieram as primeiras provas, apesar do nervosismo sentido, especialmente na prova oral, fiquei mais fortalecida. Minhas notas nas primeiras provas escritas foram as maiores da sala. Ao longo do curso, tive pouquíssimos erros na escrita. A nota oral precisava de melhoria, estava num nível de 80% do total, e resolvi investir mais nas habilidades da fala e da audição.

Como eu não tinha ninguém em casa com quem pudesse praticar inglês, falava em frente ao espelho. Continuava ouvindo sempre as fitas de conversação e pronúncia, e tentava falar com as professoras sempre em inglês fora da sala. Aprendi as expressões básicas: Como se diz______? Como se pronuncia______? E fazia uso delas o tempo todo para conseguir me expressar. Meus erros eram corrigidos pelos professores, geralmente apontando que havia algo errado na minha fala e esperando que eu ou alguém da sala fosse capaz de corrigir. Gostava de ser corrigida, aprendia muito assim. A partir do segundo ano do curso, fiz o propósito, juntamente com uma colega e um colega, de falarmos sempre em inglês fora da sala. Assim, durante o tempo todo que estávamos juntos, conversávamos em inglês. Quando não sabíamos os termos que queríamos utilizar, e isso acontecia com muita freqüência, usávamos as palavras em português e acrescentávamos um sufixo em inglês, e ríamos muito dos neologismos. Ao chegar em casa, verificávamos as palavras.

No terceiro ano do curso, fui aprovada numa seleção para trabalhar como professora-bolsista de inglês no Centro de Línguas, um projeto de extensão da Faculdade de Letras, que oferecia línguas estrangeiras para as comunidades universitária e externa. Sem dúvida nenhuma, aquela experiência foi um catalizador do meu desenvolvimento em inglês. Preparava as aulas sempre com muito cuidado, não só no aspecto didático, mas também no lingüístico. Eu imaginava as possíveis dúvidas que meus alunos teriam, e aos meus planos de aula eu acrescentava sempre uma folha anexa, contendo uma série de palavras e expressões que poderiam ser suscitadas em sala, além das transcrições fonêmicas. Creio que aprendi mais como professora do que seria possível em qualquer outra situação. Devo muito da minha prática docente aos modelos competentes dos professores da Área de Inglês da Faculdade de Letras da UFG, de quem tive o privilégio de receber formação em língua e didática.

Ao concluir o 5º ano, último daquela licenciatura dupla em Português e Inglês, a Faculdade abriu o processo de seleção para um professor substituto de Português, e eu fui aprovada. Sempre tinha sido excelente aluna em Português, e era o gosto pela língua materna que me tinha motivado a estudar Letras. Trabalhei aquele ano todo, 1998, na área de Português, mas não me desliguei completamente do Inglês: trabalhei como supervisora da Área de Inglês do Centro de Línguas, o que significa que eu tinha que dar treinamento para os professores-bolsistas, acompanhar seu trabalho de planejamento, assistir a algumas de suas aulas, prover bibliografia para seu crescimento, enfim, dar assistência para sua formação como professores, visando à qualidade do ensino.

No próximo ano, surgiu uma vaga para professor de literatura e língua inglesas na Faculdade de Letras, e deixei o ensino de Português. Aquele desafio era maior, pois lecionaria para os últimos anos do curso de Letras, o que exigia um nível muito mais alto de proficiência em inglês. Eu me preparava muito para as aulas, sempre usando a antecipação de possíveis dúvidas dos alunos como diretriz. A essa altura, já estava muito mais tranqüila como professora de língua estrangeira, e apreciei muito o trabalhar com literatura inglesa. Ao lado da supervisão da Área de Inglês do Centro de Línguas da UFG, aceitei o cargo de supervisora pedagógica de língua estrangeira do Centro de Cultura e Idiomas do CEFET-GO. Aquele trabalho contribuiu muito para meu crescimento como aprendiz de língua estrangeira, visto que eu deveria dar treinamento e supervisionar o trabalho de professores de inglês, francês e espanhol, já graduados em Letras. Acredito ter sido a pessoa mais beneficiada nas nossas in-service sessions, devido ao tempo dedicado à preparação. Atualmente, continuo trabalhando na UFG, agora exclusivamente como professora de literaturas inglesa e americana.

No meu quarto ano do curso de Letras, iniciei meus estudos em francês. A experiência de aprender uma terceira língua é muito enriquecedora, e como acontece com muitas pessoas, quando tinha dúvidas sobre palavras ou estruturas em francês, recorria ao inglês, não ao português. Hoje, como aluna de espanhol, recorro ao francês ou ao inglês. Cada vez mais percebo a complexidade multifacetária da aprendizagem de uma língua estrangeira, processo em que me encontro ainda envolvida, e que é, na minha opinião, infindável. Dediquei meu mestrado a ele, e agora, no doutorado, estou trabalhando com aprendizes de língua inglesa nas suas aulas de literatura inglesa e americana. Sempre que posso, para expandir minha aprendizagem, vejo filmes com áudio e legendas em línguas estrangeiras, anotando expressões novas. Em casa, com meu marido, falamos em línguas estrangeiras a maior parte do tempo. Tem valido a pena todo o esforço!